Conclusão do acordo de paz com Armênia é só 1º capítulo, diz Azerbaijão
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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A conclusão das negociações do acordo de paz entre Azerbaijão e Armênia é um marco importante, mas apenas a primeira etapa para o fim do conflito de décadas e da normalização das relações entre os vizinhos do Cáucaso.

Os caras que fizeram o nome de Jesus
A avaliação é do representante da Presidência do Azerbaijão, o embaixador Elchin Amirbayov, que esteve no Brasil em março para reuniões com o Itamaraty e membros do Congresso, entre outras agendas.
Segundo Amirbayov, qualificar de novas ou artificiais as demandas de Baku para assinar o pacto entre elas uma mudança na Constituição da Armênia relativa a menções à região de Nagorno-Karabakh, foco de conflitos entre os dois países é "injusto e não muito honesto". Artificiais foi o termo usado para falar sobre as condições pelo chanceler armênio em entrevista recente à reportagem.
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PERGUNTA - Ainda há desacordos sobre a assinatura do acordo de paz com a Armênia. O texto está concluído, mas falta a assinatura, e o lado armênio diz estar pronto para assinar. O que falta para o Azerbaijão? Quais são os próximos passos?
ELCHIN AMIRBAYOV - Deixe-me primeiro dizer que concordo que a conclusão das negociações sobre o texto do acordo de paz é um marco muito importante. Mas ele é muito maior do que isso. Eu diria que é como um livro com dois capítulos, que você precisa ler ambos para dizer que leu o livro todo.
O primeiro capítulo está encerrado porque passamos mais de dois anos para concordar com o texto do acordo de paz que o Azerbaijão redigiu e propôs à Armênia. E fizemos o nosso melhor para demonstrar uma quantidade suficiente de vontade política e flexibilidade para alcançar esse resultado.
Mas seria incorreto pensar que tudo está feito e que podemos simplesmente assiná-lo. O segundo capítulo deste livro é sobre resolver dois grandes obstáculos restantes. Um deles é a reivindicação territorial sobre Karabakh, que está na constituição atual da Armênia [o Azerbaijão não adota a terminologia Nagorno-Karabakh para se referir à região montanhosa de seu país, historicamente de maioria armênia étnica, que tem sido foco de problemas entre os países há décadas].
O segundo é que precisamos dissolver as instituições obsoletas e disfuncionais da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa], que costumava mediar este conflito há muito tempo, mas falhou e há cinco anos não faz nada.
Eu diria que é injusto e não muito honesto qualificar essas condições de novas ou artificiais, porque estamos pressionando por isso há mais de dois anos. Dizemos que essa cláusula precisa ser retirada para que a Constituição da Armênia esteja em conformidade com a letra e o espírito do acordo de paz. Não queremos dar nem mesmo uma chance hipotética para alguém no futuro voltar a este conflito. E se a Armênia for sincera em seu desejo de fechar o acordo de paz, eles precisam fazer o que for necessário para mudar essa parte de sua Constituição.
P - Por que o sr. acha que o acordo pode ser concluído agora, após décadas de conflito?
EA - As duas equipes trabalharam arduamente por mais de dois anos para concordar com este texto. Agora ele está apenas de lado, e esperamos. A bola agora está com a Armênia. Eles precisam nos assegurar que abandonaram a reivindicação sobre Karabakh de uma vez por todas.
Não apenas o governo, mas também o povo da Armênia. Queremos saber que o povo armênio quer paz, porque é importante para nós assinar este acordo não apenas com o governo do primeiro-ministro Nikol Pashinyan, é importante assiná-lo com a Armênia como Estado e como povo. Se o povo armênio não está pronto para abandonar sua reivindicação ilegal sobre Karabakh, então de que tipo de paz estamos falando?
P - Como está o andamento da transição entre as presidências da COP29 e da COP30?
EA - Precisamos preservar o legado da COP29 no Azerbaijão. Conseguimos com esforços conjuntos de todos os países que participaram o maior compromisso financeiro da ONU já feito, a chamada meta financeira de Baku, para mobilizar US$ 300 bilhões por ano para os países em desenvolvimento até 2035.
Esse valor nunca foi tão grande: triplicamos o valor, porque o anterior era de apenas US$ 100 bilhões, e também deixamos a porta aberta para a possibilidade de ampliar os esforços para chegar a US$ 1,3 trilhão por ano. Durante nossa presidência, os mercados de carbono também se tornaram operacionais.
Uma das nossas prioridades delas é apoiar a presidência brasileira da COP30. Em novembro, também planejamos desenvolver o chamado roteiro de Baku a Belém, que busca aumentar o financiamento climático para esse US$ 1,3 trilhão por ano com bancos multilaterais de desenvolvimento, mas também com setores privados e filantrópicos.
P - O presidente da COP30, em uma entrevista recente no Brasil, falou sobre como a marca de US$ 300 bilhões foi vista por delegações como decepcionante. Por que esse foi o limite em Baku, e como podemos alcançar US$ 1,3 trilhão?
EA - O céu é o limite, como dizem, mas temos que ser realistas. Tínhamos duas opções: ou falhamos e ficamos nos US$ 100 bilhões, ou tentamos alcançar o máximo que pudermos. Não somos nós que estamos negociando, são todas as 197 nações do mundo. E todas elas têm suas próprias prioridades, limites e linhas vermelhas.
Há um grande grupo de países que não querem arcar com isso sozinhos. Os outros dizem que não, eles não são desenvolvidos e não devem contribuir com o mesmo montante. Então é um processo de negociação muito grande e exaustivo que nossa equipe realizou com muita finesse.
É por isso que é muito fácil criticar, eu acho. Mas todos gostaríamos que fosse muito maior [o valor]. Eu acho que o roteiro de Baku a Belém realmente significa que este não é o fim. Desejamos à presidência brasileira boa sorte para conseguir o US$ 1,3 trilhão.
P - Falando em realismo, desde a COP29, muita coisa mudou, especialmente com Donald Trump nos EUA congelando financiamento climático. Muitos países estão reduzindo aportes. Quais são suas expectativas?
EA - Se conseguirmos que os governos cumpram as promessas feitas em Baku, já será um grande feito. Mas precisamos buscar mais, porque todos sentimos os efeitos das mudanças climáticas no dia a dia. Temos que ser mais responsáveis e buscar esse consenso.
P - O sr. acha realista alcançar o US$ 1,3 trilhão agora?
EA - Temos que ser otimistas.
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RAIO-X | ELCHIN AMIRBAYOV, 53
Representante da Presidência do Azerbaijão para Questões Especiais desde julho 2023. Antes, foi embaixador do país na França, na Suíça e na ONU, entre outros países.

ASSUNTOS: Mundo