Continuidade da Guerra Israel-Hamas favorece extremistas, dizem analistas
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As perspectivas de um acordo entre Israel e Hamas atualmente são remotas, e, enquanto a negociação não ocorre, a guerra que se estende há um ano na Faixa de Gaza e se espalha para outras partes do Oriente Médio tem o potencial de fortalecer extremistas.
As considerações foram um dos pontos de concordância entre Arlene Clemesha, professora de história árabe na USP, e Michel Gherman, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ambos participaram de um debate mediado pela jornalista Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, na sede do jornal, no começo da tarde desta segunda-feira (7).
A data marca 12 meses dos atentados terroristas do Hamas, que mataram cerca de 1.200 pessoas no sul de Israel e fizeram 251 reféns. Desde então, a ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza deixou mais de 40 mil mortos.
A essa altura, o que há é um avanço da guerra que favorece extremistas de todos os lados, segundo Gherman. "Uma dialética da barbárie produzida pelo Hamas, pelo governo de Israel e pelo Irã, enquanto grupos progressistas que veem isso tudo acontecendo são reféns desses governos", classifica ele. "Eu não me surpreenderia se a gente tivesse condições concretas para uma guerra civil [em Israel]."
Nesse sentido, diz Gherman, o conflito representa mais uma continuidade do que uma ruptura no modo de operar do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, líder de uma coalizão composta por extremistas religiosos que colocou Israel sob o governo mais à direita de sua história.
"Netanyahu negociava com o Hamas, não negociava com a Autoridade Nacional Palestina", diz Gherman em referência à organização criada após os Acordos de Oslo de 1993 e que, diferentemente do Hamas, defende uma solução de dois Estados. "A ideia de que não há alternativa [para o fim do conflito] fortalece o Hamas, que está reocupando espaços civis em Gaza."
A interpretação do momento atual contradiz a justificativa oficial que Netanyahu dá para o conflito. O premiê reitera que o objetivo da guerra é destruir o Hamas, e acordos de cessar-fogo constantemente naufragam devido à exigência de Israel de que o grupo armado saia do poder no território palestino.
"A gente está hoje, 7 de outubro de 2024, vendo mísseis de Gaza para Israel. Ou seja, o Hamas não foi neutralizado nem sequer nesse ponto. Os mísseis continuam chegando", afirma Gherman. "É um diálogo de morte entre esses dois grupos, Hamas e o governo de Israel, e eu acho que a valsa continua. Não vejo nenhuma saída."
Segundo Clemesha, o mesmo efeito colateral de fortalecimento de grupos extremistas pode vir a ser observado no Líbano, onde se abriu mais uma frente da guerra nas últimas semanas. Ali, o conflito já matou mais de 2.000 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde em Beirute.
"O Hezbollah tem um exército que é mais poderoso que o Exército do Líbano, então sempre que há uma guerra, um ataque externo, ele entra em ação. Aí é que a sua popularidade pode aumentar, porque o povo do Líbano não tem outro que o defenda", diz a pesquisadora.
Na ausência de um acordo, Clemesha vê com otimismo tentativas de pressionar o governo israelense por suas ações em Gaza, ainda que critique o atraso de declarações como a de Emmanuel Macron, no último sábado (5). No fim de semana, o presidente da França afirmou que o envio de armas a Israel para uso no território palestino deveria ser interrompido.
"É muito pouco, muito tarde. Não é de hoje que a lei internacional vem sendo desrespeitada por Israel", afirma. "Hoje há uma situação que foge ao controle, e de repente o mundo diz: 'Não, Israel está pisoteando a lei internacional e isso pode ter consequências'. Mas o mundo deveria ter respondido muito antes para que não chegasse a esse ponto."
Os debatedores divergiram sobre a caracterização da ação israelense em Gaza como genocídio.
Citando decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ), Clemesha afirma que o entendimento internacional sobre quais fatores configuram um genocídio é claro e, embora seja particularmente difícil comprovar um desses pontos, a intenção de cometer genocídio, isso está evidente no caso da guerra atual.
"Existem inúmeras declarações de lideranças israelenses dizendo que a intenção é liquidar os palestinos, então há uma intenção comprovada", diz ela, em referência a falas como a de ministros extremistas do governo Netanyahu.
Gherman, por outro lado, afirma que é preciso aguardar uma decisão definitiva sobre o assunto. "Acho fundamental esperar e perceber se a dimensão multilateral, que é o tribunal, vai definir que essa plausibilidade é ou não um genocídio de fato."
ASSUNTOS: Mundo