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Cortes de Trump na saúde já produzem efeitos dramáticos, diz prefeita de Paris

Por Folha de São Paulo

26/03/2025 9h00 — em
Mundo


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PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) - A interrupção do financiamento a programas globais de saúde anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já produz efeitos dramáticos, desestabilizando a organização internacional e afetando diretamente a vida de pessoas que dependem dessas verbas.

A afirmação é da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, 65, anfitriã do encontro de uma aliança global de cidades saudáveis que busca enfrentar as doenças crônicas não transmissíveis por meio de políticas públicas. A PHC (Partnership for Healthy Cities) é apoiada pela Bloomberg Philanthropies em parceria com a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Vital Strategies.

"Espera-se mais de 6 milhões de mortes pela Aids até 2029 devido a essas decisões tomadas [por Trump] agora. Muitas pessoas já estão vivendo isso concretamente, estão recebendo avisos que não vão mais receber medicamentos que os mantêm vivos. É algo muito grave", disse em entrevista a jornalistas, na última quinta (20). O encontro reuniu 61 das 74 cidades que fazem parte da aliança.

Para Hidalgo, líderes municipais ao redor do mundo precisam se unir contra o crescimento de governos nacionais populistas e que ameaçam as democracias. O fórum para isso, segundo ela, deve ser o conselho de iniciativas urbanas da ONU (Organização das Nações Unidas).

O conselho foi criado em 2021, durante a pandemia de Covid-19, com a missão de garantir um debate global que permita traçar um futuro sustentável para cidades verdes, saudáveis e menos desiguais.

Na entrevista, Hidalgo também relatou os desafios que enfrenta para tornar Paris uma cidade mais saudável. No último domingo (23), a capital votou a favor da criação de 500 "ruas-jardins". A iniciativa visa a melhorar a qualidade do ar e reduzir ondas de calor na cidade.

Como a sra. analisa as medidas de Trump na área da saúde, em especial os cortes na ajuda internacional? Foi uma decisão dramática, que vai contra todo um movimento humanista que havia sido desenvolvido após a pandemia de Covid, que tanto nos ensinou sobre a nossa interdependência em tudo, na economia, nos países, em tudo.

Então, é uma decisão impactante para todos nós, para a segurança do mundo, que está desestabilizando completamente a organização internacional, a regulação das tensões do mundo e de todas as organizações que dependem das Nações Unidas.

Por exemplo, espera-se mais de 6 milhões de mortes pela Aids até 2029 devido a essas decisões tomadas agora. Muitas pessoas já estão vivendo isso concretamente, estão recebendo avisos de que não vão mais receber medicamentos que os mantêm vivos.

É algo muito grave. Já dissemos à OMS que a apoiamos e que trabalhamos com ela, mas é importante que as redes de prefeitos pelo mundo trabalhem diretamente com os níveis globais das organizações.

De que forma?

Já estamos fazendo. O secretário da ONU organizou um grupo de conselheiros formados por prefeitos que se reportará diretamente à ONU. Muitos governos nacionais e estaduais aderiram a um populismo que nada tem a ver com democracia. Será difícil, mas é possível que a Europa, em sua relação com os outros continentes, saia com mais força dessa nova situação mundial e consiga revertê-la.

A sra. acredita que as cidades possam ter um maior protagonismo nas questões de saúde, como o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis? Sim, isso é muito importante. Tornar as cidades mais saudáveis, especialmente nesses tempos tão ruins, com avanço do populismo e ameaça às democracias, é fundamental. A política e os políticos precisam trabalhar para os seus cidadãos e não para eles mesmos.

A sra disse que Paris está trabalhando para melhorar os seus bancos de dados. Qual a importância disso para as políticas de saúde? Estamos trabalhando esse tema com a parceria que temos com a Bloomberg Philanthropies. Por quê? Porque, se queremos convencer os líderes e a população, precisamos de resultados baseados em dados verificados, trabalhados de maneira científica, para mostrar para que as políticas servem.

Precisamos mostrar aos Estados e aos líderes econômicos o impacto que as políticas de saúde trazem para a economia dos países, das cidades, para a economia global.

Quando se trabalha para que as pessoas tenham um ambiente mais saudável, não tenham enfermidades, quando se trabalha na prevenção de epidemias, também se trabalha para economizar bastante dinheiro para os sistemas de saúde, de seguridade de social, de aposentadorias.

É um dinheiro que não será gasto se as pessoas não adoecem. Esse é um tema que não é muito conversado, trabalhado. Eu me lembro que, antes de ser prefeita de Paris, trabalhava com o tema da saúde do trabalhador. Nos anos 1990, quando demos um passo grande na Europa nessa área, foi quando demonstramos dados sobre como os custos dos acidentes de trabalho eram fortes para as empresas.

Falamos na mesma linguagem do mundo econômico, apresentando a conta de não se investir na prevenção de acidentes de trabalho. Precisamos fazer algo parecido com o tema da saúde.

Explicar para a população, para os políticos, para o mundo econômico que, se tivermos um ambiente saudável, também teremos pessoas mais saudáveis e isso é bom para economia. Quando se fala em dinheiro, as pessoas ouvem.

Há vários sensores monitorando a qualidade do ar em Paris. Já é possível saber, por meio de dados, o impacto da poluição nas doenças respiratórias e o quanto deve cair com essas mudanças na cidade? Eu não estou feliz com o sistema de dados que temos. Para Paris, não é um bom sistema. Temos vários sensores pela cidade, mas não o bastante.

Também não temos em tempo real as informações sobre a situação. Eu preciso ter mais sensores porque hoje o nível de poluição da cidade não está bom. E também não há integração com o sistema de saúde. Estamos trabalhando para isso.

Como os Jogos Olímpicos ajudaram a acelerar todas as mudanças em Paris? Quando lançamos nossa candidatura para os Jogos, eu sabia que eles poderiam ser muito úteis para a cidade. Falei várias vezes com o prefeito de Londres [à época, Boris Johnson] e com o Eduardo Paes, [prefeito], do Rio de Janeiro. Eduardo Paes me disse: 'Você precisa alinhar a sua estratégia para a cidade com a estratégia para os Jogos Olímpicos'. Para mim, era uma obsessão transformar a cidade com políticas ecológicas.

Tivemos que acelerar a implantação de ciclovias, limpar o rio Sena. Com os Jogos, mudamos a mobilidade na cidade, temos vários novos jardins, muitas árvores. E sabe o que é interessante? As pessoas ao redor do mundo viram, durante os Jogos, o que fizemos em Paris, viram a transformação que era possível.

Fomos criticados pela imprensa durante as obras, mas agora a população, que estava um pouco descontente, tem a experiência da cidade transformada, do impacto que isso gerou.

A jornalista viajou a convite da PHC (Partnership for Healthy Cities)


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