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Fronteira com a Colômbia vê fluxo menor de venezuelanos, mas tráfico e crime se expandem

Por Folha de São Paulo

27/07/2024 3h00 — em
Mundo



CÚCUTA, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) - Quando a Venezuela vive um momento instável, a situação costuma se refletir na extensa fronteira com a Colômbia, de mais de 2.300 km. A região mais movimentada é a que divide o departamento colombiano do Norte de Santander e o estado venezuelano de Táchira.

Entre as pontes que cruzam o raso rio Táchira está a Simón Bolívar, a mais famosa delas, por ser para pedestres. Antes, quando a Colômbia sofria mais com as guerrilhas e os cartéis do narcotráfico, o movimento maior era de colombianos que fugiam da violência. O chavismo inverteu esse fluxo, com a saída crescente de venezuelanos empobrecidos, muitos atravessando a pé pela Simón Bolívar. Hoje, há 2,8 milhões deles na Colômbia, o país que mais os abriga no mundo.

"Vivi o suficiente para ver uma massa contínua de gente indo daqui para lá e depois para ver uma massa contínua de gente, de lá para cá", conta Afonso Canizales, 73, taxista venezuelano. Ele se dedica a ajudar mulheres mais velhas que chegam pela manhã de San Antonio del Táchira, na Venezuela, à colombiana Cúcuta. Elas fazem compras de alimentos e itens domésticos e, no fim do dia, retornam carregadas. Há gente levando colchões para a casa nova e estudantes uniformizados que vêm de San Antonio para as aulas em Cúcuta.

A cidade que é porta de entrada da Colômbia não vive mais o auge da crise migratória, como em 2017, e o fluxo pela ponte não é mais intenso como naquela época. "É claro que lá eles têm mais dificuldades, e vendemos combustível, comida, roupas, mas nós também vamos muito para o outro lado, há coisas que lá são mais baratas", diz o comerciante colombiano de tecidos Abdala González, 54.

Hoje, a grande Cúcuta tem cerca de 1 milhão de pessoas, dos quais 218 mil são venezuelanos. A população que tem permissão para transitar livremente pela fronteira, porque vive numa cidade e estuda ou trabalha na outra, é de cerca de 80 mil.

A regularização do fluxo migratório avançou no mandato do ex-presidente colombiano Iván Duque (2018-2022). Direitista, ele não reconhecia a autoridade do ditador Nicolás Maduro, mas facilitou a documentação dos habitantes da fronteira. Também adotou um programa de acolhida e de entrega rápida de documentos aos venezuelanos que foi muito elogiado pelos que fugiam da crise chavista.

Um sinal de relativa normalização na região foi a reabertura da ponte de Tienditas. Em 2019, o então autoproclamado governo do líder opositor Juan Guaidó tentou usar a passagem para entrar com ajuda humanitária na Venezuela. A ditadura de Nicolás Maduro a bloqueou, colocando contêineres nas vias.

Em anonimato, um policial de plantão na ponte diz que hoje a situação é tranquila, e a atenção dele se volta agora para as chamadas "trochas", trilhas clandestinas controladas por cartéis, paramilitares e facções criminosas dos dois países.

O agente se refere a um fluxo que corre paralelamente às pontes. Ex-integrantes de guerrilhas como as antigas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional) migraram para o narcotráfico e se juntaram a facções criminosas como o colombiano Clã do Golfo e o venezuelano Tren de Aragua. Esses grupos usam as trochas para traficar e contrabandear de tudo: cocaína, fentanil, drogas sintéticas e até bebidas alcoólicas e combustível.

Assassinatos nessas trilhas que margeiam o rio Táchira são comuns. No fim de junho, foram mortas oito pessoas; no início de julho, outras 13. A polícia atribui essas mortes a demarcação de territórios. Para cada ponte oficial há cerca de quatro ou cinco "trochas", e passar por elas demanda o pagamento de uma taxa ao grupo que a domina.

A reportagem notou a presença do Tren de Aragua em Cúcuta de modo muito discreto. Enquanto entrevistava um comerciante de uma loja de óculos de sol, percebeu que seu aspecto relaxado ao fazer declarações políticas sobre as eleições da Venezuela foi mudando. Alguém na rua lhe fazia sinais e apontava para cima, para o segundo andar do empreendimento.

Depois, outro comerciante, que corta e compra cabelo de venezuelanas, afirmou que "eles" ficam nas sobrelojas e vigiam tudo. De acordo com o lojista, não há um táxi, um comércio, um camelô que não pague a taxa ao Tren. Se não paga, é expulso, a tiros se preciso. Vários outros vendedores preferem não falar com jornalistas, fazendo o mesmo sinal, o dedo para cima indicando vigilância.

Kenny Sanguino Cuéllar, pesquisador de temas de segurança da Universidad Libre de Cúcuta, prevê uma piora na região se os governos da Colômbia e da Venezuela não atuarem de modo conjunto. "O Clã do Golfo não quer mais saber do Tren de Aragua aqui e está armando uma ofensiva. É uma guerra cantada. E Maduro e [Gustavo] Petro [presidente colombiano] sabem disso", afirma.


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