Níger se afasta da França e vira símbolo da guinada de poder no Sahel
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Numa cerimônia em outubro passado, a junta militar que governa o Níger rebatizou alguns nomes de ruas e monumentos da capital, Niamei. A avenida Charles de Gaulle, por exemplo, se tornou a Djibo Bakary, em referência ao primeiro prefeito da cidade.
A praça da Francofonia, por sua vez, virou praça da Aliança dos Estados do Sahel. E quem visitava a praça Monteuil, em frente à principal delegacia da cidade, agora coloca os pés na praça Capitão Thomas Sankara, ex-presidente da vizinha Burkina Fasso.
Na celebração, o general que conduzia o evento afirmou que nomes europeus eram lembranças do tempos dolorosos da escravidão e da colonização africanas e que os heróis locais e pan-africanos pareciam esquecidos. "De agora em diante, vamos promover nossos interesses nacionais, revalorizar nossa história e honrar nossos ancestrais."
Desde a deposição do presidente Mohamed Bazoum pelos militares, em julho de 2023, o Níger tem buscado se afastar da potência da qual foi colônia e passou a ser um símbolo da disputa por poder na região.
Até o golpe, o país era visto como "queridinho do Ocidente", afirma Olayinka Ajala, professor de política e relações internacionais da Universidade Leeds Beckett, no Reino Unido.
A primeira razão, explica Ajala, era a localização estratégica. Em 2016, em meio à crise dos refugiados, deslocados da África subsaariana se reuniam em Agadez, no norte do Níger, para viajar à Líbia e depois atravessar o Mediterrâneo em direção à Europa. Líderes europeus então contavam com Niamei para tentar barrar a imigração ilegal.
O país também é rico em urânio, usado para gerar energia nuclear. E possui a maior reserva de água subterrânea do Sahel, com 50 bilhões de m³, conforme mostrou um estudo financiado pelo governo americano em 2023.
"Ainda foi um dos poucos países na região a manter [até o golpe de 2023] a democracia por 10 anos e fazer uma transição de poder para outro governo democraticamente eleito [em 2020]", diz Ajala.
Para criar um nova identidade, segundo o pesquisador, o Níger tem tentado ao máximo limitar suas relações com a França, os Estados Unidos e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas, na sigla em inglês).
Dos laços com Paris sobraram alguns acordos de mineração que expiram nos próximos anos. As tropas francesas foram convidadas a se retirar do território nigerino, assim como as forças americanas.
Com Mali e Burkina Fasso, que sofreram golpes, respectivamente, em 2020 e 2022, o Níger assinou um
pacto da defesa mútua, a Aliança para os Estados do Sahel, e se retirou da Ecowas, argumentando que o bloco falhou em ajudar os três Estados na luta contra o terrorismo e a insegurança.
Quem tem ocupado o espaço deixado pelas potências ocidentais é principalmente a Rússia, que busca expandir sua presença no Sahel, oferecendo às nações da região uma estratégia de cooperação militar diferente daquela que os EUA e a França mantinham.
"Moscou oferece serviços militares, como treinamentos, venda de armas ou soldados ou mercenários para lutar contra o terrorismo, em um modelo baseado em contrato", afirma Zoë Gorman, que estuda o tema na Universidade de Princeton.
Segundo Gorman, o formato é atrativo para os países do Sahel porque não há interesse por parte dos russos de direcionar o regime para um determinada direção ou construir instituições independentes dentro dos Estados, como faz, por exemplo, a União Europeia.
Um marco do estreitamento da relação Moscou-Niamei foi a ocupação das forças russas da Base Aérea 201, em Agadez, que era operada por Washington, em maio deste ano.
Ao mesmo tempo, Marrocos, Turquia e o Irã têm se encontrado com as juntas militares do Níger, de Burkina Fasso e do Mali em busca de acordos econômicos. "É definitivamente um momento de profunda mudança geopolítica", afirma Gorman.
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