Rafael Correa é personagem onipresente na corrida eleitoral no Equador
ouça este conteúdo
|
readme
|
GUAYAQUIL, EQUADOR (FOLHAPRESS) - Nem Daniel Noboa, o presidente de direita que busca se reeleger no Equador, nem Luisa González, a opositora de esquerda que tenta o derrotar, parecem ser os reais protagonistas do segundo turno deste domingo (13). O nome principal é outro, Rafael Correa.

Os caras que fizeram o nome de Jesus
O ex-presidente de esquerda que governou por uma década, de 2007 a 2017, surfando inicialmente no boom das commodities, foi condenado a oito anos de prisão por corrupção, é considerado fugitivo da Justiça e desde 2020 vive asilado na Bélgica, terra natal de sua esposa.
Economista nascido na cidade portuária de Guayaquil, Correa é o padrinho político de Luisa González, advogada e ex-parlamentar que era membro do alto escalão de seu governo. E ele é, para o bem ou para o mal, o personagem político mais importante do país.
Há quem diga que González seria um fantoche de Correa, acusação em certa medida semelhante à que foi feita à hoje presidente do México, Claudia Sheinbaum --que, no entanto, mostrou-se diferente em muitos aspectos de seu padrinho Andrés Manuel López Obrador e, mais do que isso, já tinha uma carreira consolidada como cientista e como chefe de governo da capital Cidade do México antes de concorrer à Presidência.
Analistas locais ponderam que o jogo está riscado em torno da figura de Correa. González não é lida como um personagem político com muito capital próprio e, portanto, seus votos são oriundos do chamado "correísmo" e de um incipiente "antinoboísmo".
Enquanto Noboa, no cargo há somente 17 meses já que foi eleito para um mandato-tampão e com medidas internacionalmente questionadas, tampouco é um personagem de peso. Seus votos seriam os dos "anticorreístas", os que vão por qualquer alternativa que não seja o, em sua visão, perigo da volta do correísmo ao poder.
Correa foi condenado à prisão há exatos cinco anos em um caso de subornos que teriam ocorrido de 2012 a 2016 envolvendo empresas nacionais e internacionais, entre elas a brasileira Odebrecht. Essas companhias pagariam propina aos políticos locais para financiar o movimento de Correa em troca de contratos milionários. Ele diz ser vítima de "lawfare", perseguição jurídica para fins políticos.
É o mesmo argumento de outros políticos da região, como o próprio presidente Lula (que teve suas condenações anuladas), a ex-presidente argentina Cristina Kirchner (condenada em segunda instância por corrupção) e o ex-presidente boliviano Evo Morales (acusado de ter mantido um relacionamento sexual com uma menor de idade).
Diferentemente do que ocorreu, por exemplo, durante as eleições no Brasil em 2018, quando, com Lula preso, o então candidato à Presidência e hoje ministro Fernando Haddad apresentava a imagem do líder do PT em suas peças de propaganda, no Equador de 2025 Rafael Correa não aparece nas campanhas de Luisa González.
Sabendo o potencial danoso da figura, a campanha não o coloca como protagonista. Algumas vezes, no entanto, as menções ocorrem, como no início deste mês, quando González publicou um vídeo com um compilado de imagens suas e de Correa para parabenizá-lo pelos recém-completados 62 anos.
Opositores insistem que, ao assumir o cargo, González poderia indultar o padrinho político e outros aliados, como o ex-presidente Jorge Glas, também condenado no esquema de subornos.
Glas estava asilado na embaixada do México em Quito para não cumprir a pena, até que, no ano passado, o governo de Noboa invadiu a sede diplomática para retirá-lo dali e prendê-lo, em um episódio criticado pela maioria dos países vizinhos.
González já disse em mais de uma oportunidade que se trata de uma afirmação falsa e que não haverá perdão a Correa. Segundo ela, não por decisão sua, mas porque o próprio aliado não quer que isso seja feito.
As memórias da década de Correa no poder impactam a tentativa da advogada de esquerda de chegar à Presidência. Em uma das frentes, ela tem penado para conseguir apoio dos indígenas. No primeiro turno, a candidatura do líder indígena Leonidas Iza conseguiu 5,25% dos votos. Para a decisão deste domingo, ele anunciou que apoiará González.
Mas o movimento indígena é amplo, formado por muitos setores, e alguns deles não perdoam o correísmo por não ter decretado no país uma moratória mineira e, pelo contrário, ter investido na exploração dos minerais. Também está na memória do setor o fato de Correa ter tirado da liderança indígena a gestão das escolas bilíngues.
Os votos de Iza são fundamentais para decidir o próximo presidente do Equador, assim como a parcela de brancos (2,16%) e a de nulos (6,8%). Juntas essas três parcelas somaram 14,21% dos votos no primeiro turno, no qual Noboa e González tiveram a nanica diferença de 0,17 ponto percentual, ou 16,7 mil votos.
As posições em política externa de Rafael Correa também semeiam controvérsias para Luisa González, que tem de enfrentar quase como pedra no sapato afirmações de que, se eleita, vai se aliar à ditadura da Venezuela. Ela desconversa e diz que o dilema dos venezuelanos tem de ser resolvido por eles próprios.
Fato é que Correa é próximo ao ditador Nicolás Maduro e diz que todos os problemas da Venezuela têm origem nas sanções impostas pelos Estados Unidos.
Um dos protagonistas da chamada primeira onda rosa da América Latina, a época dos anos 2000 em que diversos governos de esquerda coincidiram na região, Correa é mais um expoente de líderes daquela época que continuam marcando a definição da situação de seus países mesmo anos após deixarem o poder.

ASSUNTOS: Mundo