Uruguai chega às urnas com empate técnico entre nomes de pouco carisma
MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) - Sentados nas sedes de seus respectivos partidos, assessores de Yamandú Orsi (Frente Ampla) e de Álvaro Delgado (Partido Nacional) estão tensos. É um sentimento comum às vésperas de qualquer votação, mas no Uruguai está mais aguçado: não há resultado previsível.
O país chega ao segundo turno neste domingo (24) em um cenário de empate técnico na maior parte das pesquisas. Orsi está numericamente à frente, mas com margem tão estreita que não permite à campanha respirar aliviada nesta reta final.
O futuro presidente substituirá Luis Lacalle Pou, que se consolidou como o principal rosto da nova geração da centro-direita uruguaia. O presidente se encaminha para o fim do mandato com 50% de aprovação, mas a Constituição não permite reeleições consecutivas.
Esse carisma do surfista que anda pela turística Punta del Este de moto e que se orgulha de representar uma direita republicana e democrática em um mundo de extremismos não aparece nos postulantes à Presidência. Orsi e Delgado não despertam grandes paixões.
Na última rodada das principais pesquisas, aquela que evidencia uma maior diferença entre os concorrentes é a da consultoria Opción. Orsi aparece com 49,7%, e Delgado, com 45,5%. Também nela há empate técnico, mas quase no limite da margem de erro de 2,2 pontos. Em outros levantamentos, como o da Equipos, Orsi tem 48%, e Delgado, 46,2%.
É um cenário tão incerto que o país não descarta ir dormir sem saber o resultado oficial, como ocorreu nas eleições de 2019. Naquele segundo turno, o resultado só foi anunciado pela Corte Eleitoral quatro dias após o pleito. A diferença do vitorioso Lacalle Pou para o adversário Daniel Martínez (Frente Ampla) foi de somente 37 mil votos.
Foi preciso esperar o sistema eleitoral checar os chamados votos observados, que então eram 35 mil. Trata-se de eleitores que votaram em uma zona eleitoral diferente da que estão registrados e cujos dados precisam ser checados posteriormente antes de computados.
O eleitor decidirá entre um projeto de continuidade --com Álvaro Delgado, braço direito de Lacalle Pou que foi secretário-geral de sua Presidência-- e o retorno da esquerda ao poder, caso opte por Yamandú Orsi, ex-governador do departamento de Canelones que pertence à Frente Ampla, mesma corrente política de José "Pepe" Mujica. A aliança governou o Uruguai por 15 anos seguidos, até a vitória do atual presidente.
No primeiro turno, em 27 de outubro, Orsi conseguiu 43,94% dos votos, e Delgado, 26,77%, mas a aparente vantagem precisa ser vista com cautela. A Frente Ampla já angaria todo o apoio dos setores de centro-esquerda e esquerda em torno de um candidato único, enquanto a Coalizão Republicana, da centro-direita, vai às urnas inicialmente fragmentada em candidatos de quatro partidos até que, neste segundo turno, espera-se que todos os seus apoiadores votem em Delgado.
As pesquisas mostram, porém, que pode haver uma pequena fuga de votos decisiva da Coalizão para a Frente Ampla. Quando questionado sobre o tema, Delgado diz colocar sua esperança em uma "maioria silenciosa" que o apoiaria nas urnas.
Para nenhum dos possíveis eleitos o governo será fácil: o primeiro turno não consolidou maiorias claras no Congresso. A Frente Ampla obteve estreita maioria no Senado, mas, na Câmara, ninguém o fez. As negociações serão mais necessárias e possivelmente mais difíceis.
Delgado propõe uma abordagem mais linha-dura contra o avanço do crime organizado em torno do narcotráfico. Às margens da baixa fiscalização do porto de Montevidéu e por meio das fronteiras fluviais e terrestres com Brasil e Argentina, essa atividade cresceu e elevou os homicídios.
Orsi também elenca o tema como prioridade, mas junto a isso fala em mais programas sociais e em rever uma recente reforma da Previdência que elevou a idade de aposentadoria de 60 para 65 anos de idade.
Para o Brasil, ainda que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha tido boa relação com Lacalle Pou, como o próprio uruguaio descreveu em recente entrevista à Folha, o retorno da Frente Ampla faria algumas negociações mais confortáveis. Em especial no que tange ao Mercosul.
Lacalle Pou insistiu em um acordo de livre comércio com a China feito por fora, algo que para o Itamaraty destruiria o Mercosul. A campanha de Orsi, por sua vez, fala em frear a iniciativa, ainda que queira um bloco mais aberto --até para eventuais acordos com Pequim.
Interlocutores também acreditam que um governo da Frente Ampla atuaria com maior veemência contra os avanços ideológicos do governo de Javier Milei (Argentina) sobre o bloco, algo que a gestão do Partido Nacional também faz, mas de forma mais comedida.
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