EUA e aliados não descartam novos ataques contra a Síria
TAMPA, FLÓRIDA - Um dia após adotar um tom belicoso comparável ao anúncio de uma nova guerra, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou ontem que o ataque de forças americanas, inglesas e francesas a três instalações militares sírias — que seriam responsáveis por armas químicas — foi concluído com sucesso. A ofensiva limitada, assim, tende a ter pouco impacto na guerra do país, que já dura sete anos, gerou centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados. Embora os principais atores do conflito tenham moderado o tom e deixado claro que vão calcular bem seus próximos passos, americanos e aliados deixaram em aberto a possibilidade de novas ataques.
Trump afirmou ontem pelo Twitter que o lançamento de mais de cem mísseis contra o território sírio foi “missão cumprida” — mesma expressão usada por George W. Bush na invasão do Iraque em 2003 — e teve “execução perfeita”. Para o republicano, o resultado “não poderia ter sido melhor”, referindo-se à sua ofensiva contra o suposto ataque de armas químicas de forças do ditador Bashar Al-Assad a civis em Douma, até então controlada por rebeldes, no fim de semana passado, causando dezenas de mortos, muitos deles crianças. O ataque da noite de sexta-feira — madrugada de sábado na Síria — não deixou vítimas civis. Já Vladimir Putin, presidente russo e principal apoiador de Assad, criticou o ataque sem ameaçar represálias.
Os Estados Unidos, contudo, estão “totalmente prontos” a atacar novamente a Síria se o governo de Assad usar novamente armas químicas, disse Nikki Haley, embaixadora do país na ONU, durante a reunião especial sobre o ataque no Conselho de Segurança neste sábado. A ameaça foi apoiada tanto pelo presidente francês Emmanuel Macron, quanto pela primeria-ministra britânica, Theresa May, em entrevistas coletivas após o ataque coordenado.
— Acreditamos que conseguimos paralisar o programa de armas químicas da Síria. Estamos prontos para manter esta pressão. Se o governo sírio usar gás venenoso novamente, os Estados Unidos estão totalmente preparados — declarou Haley.
Por enquanto, não há indícios de que vá haver em curto prazo uma escalada de ataques e de ameaças. Com a ofensiva pontual da sexta-feira, Trump teria conseguido responder ao ataque químico, como havia prometido desde segunda-feira. A ação dos países do Ocidente teria criado danos às instalações militares sírias e teria passado o recado de que Putin, embora venha assegurando o avanço de Assad na guerra civil, não controla a situação na Síria. Em outro aceno importante, o vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Ryabkov, segundo a agência de notícias RIA, disse em uma entrevista ao jornal "Kommersant" no sábado que Moscou estava interessada em cooperar com Washington sobre a Síria.
Mas este ataque, desta maneira, não muda o rumo da guerra da Síria e nem a possibilidade de que Assad tenha de ser substituído do poder em Damasco para que o atual conflito acabe, ou seja, mantém a situação que está se desenhando há mais de um ano.
CAUTELA NOS DESDOBRAMENTOS
Apesar do tom belicoso acima do tom de Washington e Moscou na noite de sexta-feira, os desdobramentos estão sendo muito mais calculados. O Pentágono, por exemplo, tomou o cuidado de evitar matar russos na operação, tendo coordenado com Moscou o ataque às bases químicas que era praticamente obrigatório para os americanos depois da série de ameaças que Donald Trump fez ao regime sírio desde o suposto ataque químico realizado pelas forças do regime no fim de semana passado.
— Cada país tem objetivos diferentes neste caso — afirmou ao GLOBO Maxime Larive, diretor do Centro União Europeia na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA) e doutor em Oriente Médio. — E o importante é que todos os atores parecem entender a complexidade da situação.
Entretanto, como há muito interesse em jogo de diversos países, não está descartada uma piora da situação. Especialistas afirmam que é o momento mais crítico do mundo desde a Crise dos Mísseis, que quase levou ao confronto americanos e soviéticos em Cuba, em 1962.
— Uma escalada de tensão não está descartada, todo o cenário está muito aberto — apontou Larive. — Mas o fato de ter sido um ataque pontual podem indicar uma cautela que tende a marcar a reação de todos os envolvidos.
O Conselho de Segurança, ontem, rejeitou a proposta russa de se condenar o ataque coordenado. Entre os 15 membros que o compõem, apenas três apoiaram a medida — Rússia, China e Bolívia. Oito se opuseram — EUA, Reino Unido, França, Kuwait, Suécia, Holanda, Polônia e Costa do Marfim —, e quatro se abstiveram de votar — Peru, Cazaquistão, Etiópia e Guiné Equatorial.
Os russos criticaram que o ataque ocidental ocorreu antes mesmo de os técnicos da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opac) concluírem as investigações sobre o suposto ataque químico em Douma. Representantes da entidade afirmaram ontem que continuarão suas investigações em solo sírio.
A ação de EUA, Reino Unido e França recebeu apoio, em geral de países ocidentais, como a Alemanha, mas foi visto com cautela por outros, como a China. A chanceler federal alemã, Angela Merkel, que antes era contrária a uma ação contra a Síria, voltou atrás e apoiou, neste sábado, os ataques aéreos dos Estados Unidos, França e Inglaterra como uma ação "necessária e apropriada" para alertar Damasco contra o uso de armas químicas.
A ofensiva ocidental também gera desafios e oportunidades para o Irã, que é um dos apoiadores mais importantes de Assad. Teerã teme que Trump, em meados de maio, cancele o tratado nuclear firmado com o país — a nova cúpula da Casa Branca é totalmente favorável a isso. Mas agora abriu-se uma pequena margem de manobra: os iranianos poderiam abandonar o apoio a Assad em troca do acordo nuclear, embora isso não esteja no radar imediato dos americanos. Ontem, Teerã reagiu criticando o ataque americano.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, classificou os ataques químicos como “absurdos" e "horríveis", mas pediu cautela na retaliação expressando a preocupação de que qualquer escalada da violência no país aumentaria o sofrimento de quem vive na Síria.
"Peço aos Estados-membros que demonstrem moderação nessas circunstâncias perigosas e evitem quaisquer atos que possam agravar a situação e agravar o sofrimento do povo sírio", disse num comunicado.
DESVIO DE PROBLEMAS INTERNOS
Internamente, o ataque de Trump conseguiu ao mesmo tempo tirar o foco dos problemas políticos internos do presidente — que vive sua maior crise desde a posse — e angariar apoios raros, de parte dos democratas e progressistas americanos. A forma como ele agiu para proteger algo caro a muitos progressistas — a proibição do uso de armas químicas — deve ampliar a popularidade de Trump no curto prazo, apesar disso não mudar, a princípio, o rumo da guerra na síria, que segue sendo uma barbaridade mesmo com armas convencionais.
— Essa é uma regra clássica, quando um presidente está com graves problemas internos inicia uma guerra — disse Erick Langer, professor de história da Georgetown University. — Essa nova crise externa é muito conveniente para Trump.
ASSUNTOS: ataques, siria, trump, Mundo