Documentos sobre Rubens Paiva estão esfarelando, diz diretor exonerado após interditar arquivo no RJ
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Documentos relacionados à prisão do ex-deputado Rubens Paiva, cuja história foi contada no filme "Ainda Estou Aqui", estão "esfarelando na mão" devido às más condições do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, afirma Victor Rosa Travancas, exonerado do cargo de diretor-geral da instituição pelo governador Cláudio Castro (PL).
Travancas foi demitido após fechar o local sob a justificativa de problemas estruturais.
Segundo ele, além dos documentos relativos a Rubens Paiva, sequestrado e morto pela ditadura militar, outros relativos a esse período têm risco de se perder. A Folha de S.Paulo procurou a Casa Civil do governo estadual na tarde desta quinta-feira (9) para comentar a situação dos documentos e aguarda retorno.
Travancas havia sido nomeado para o cargo em dezembro. À Folha o ex-diretor-geral justificou a interdição do prédio por risco de desabamento. Segundo ele, há umidade acima do tolerável em salas que guardam arquivos, pisos afundados e uma pilastra com rachadura.
Em nota, a Secretaria da Casa Civil do estado disse que a decisão de fechar as portas foi "unilateral", "sem consulta ao governo e sem aval dos órgãos competentes".
"O Arquivo Público possui Laudo de Exigências e Certificado de Aprovação válidos e foi vistoriado em dezembro pelo Corpo de Bombeiros, quando foi constatado que não há risco iminente que justifique a interdição da edificação", afirma a pasta.
Laudos enviados pelo governo à reportagem mostram aval ao funcionamento do prédio. Um deles, assinado pela Emop (Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro), afirma que há fissuras na laje de uma das salas, mas que "tal anomalia não interfere na utilização do prédio".
Sistema de hidrantes, ventilação mecânica, detecção e alarme estão funcionando, segundo a documentação do Corpo de Bombeiros.
O Arquivo Público do Estado do Rio foi criado em 1931 e teve várias sedes. Desde 1998, está em um prédio na praia de Botafogo, que no passado abrigou uma subestação de bondes.
Foi o primeiro a receber documentos do Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) após o fim da ditadura. Preserva ainda mapas da cidade do Rio de Janeiro do século 18 e documentos sobre migração de famílias, posse de terras e fichas policiais.
"É preciso que as pessoas coloquem a mão na consciência que nós estamos de frente para um [um novo acidente como] Museu Nacional. Estamos esperando acontecer o pior. Ali é só papel, não tem como salvar", afirma Travancas.
A reportagem visitou nesta quinta (9) o prédio do Arquivo Público e servidores trabalhavam normalmente, atendendo aos pesquisadores.
Em nota pública, a Anpuh (Associação Nacional de História) afirmou que "não foi divulgado qualquer documento das autoridades de sinistros que justificasse essa radicalização".
Presidente da seção Rio de Janeiro da entidade, Beatriz Kushnir afirma que a situação dos arquivos públicos brasileiros não é boa e precisa de investimentos, mas que servidores técnicos são capazes de preservar a memória documental.
"O abandono dos arquivos públicos no Brasil não é um acaso, é um projeto de terceirização da guarda da documentação", afirma. "Precisamos de investimento na digitalização, nos concursos, e precisamos que os governos entendam o papel estratégico de um arquivo público".
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