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Empresa não reconhece cotação de preços usada por ONG que recebeu R$ 90 mi em emendas

Por Folha de São Paulo

04/12/2024 17h00 — em
Política



BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Uma empresa do Rio de Janeiro diz que são falsos orçamentos para cotação de preços apresentados em nome dela ao Ministério do Esporte pela Associação Moriá. A ONG recebeu mais de R$ 90 milhões em 26 emendas parlamentares nos últimos três anos e entrou na mira da CGU (Controladoria Geral da União).

A apresentação de diferentes orçamentos é praxe em contratações com dinheiro público para que se escolha a oferta mais vantajosa economicamente. Assim, esses orçamentos sem lastro respaldam contratações sem concorrência real.

Outra empresa do Rio de Janeiro, também citada diversas vezes como concorrente por contratações em projetos da Moriá, inicialmente disse à reportagem que não reconhecia os orçamentos apresentados pela ONG ao governo nem teria capacidade técnica para aqueles serviços. Depois, voltou atrás.

Os orçamentos foram apresentados ao Ministério dos Esportes porque as emendas que abasteceram a ONG são originalmente do orçamento da pasta. O ministério foi procurado e não respondeu.

Os documentos não reconhecidos pela empresa seriam para fornecimento de serviços na organização de cursos de jogos eletrônicos tocados pela ONG (como fornecimento de equipe e locação de material para os eventos).

A Folha de S.Paulo mostrou que a Moriá tem suspeitas de sobrepreço e, para esses cursos de games, boa parte dos recursos recebidos é atribuída a aluguéis de computadores com valor equivalente a 11 vezes o preço de compra.

Em nota, a Moriá afirmou que recebe centenas de orçamentos por projeto.

"Muitas vezes os prazos de solução de contratação são curtíssimos, sobrecarregando a estrutura da entidade", continuou a ONG, que diz adotar o modelo de Processo de Seleção Simplificado, com pesquisa de três preços por item, realizando busca ativa por fornecedores.

Prints exibidos à reportagem por Bruno Ribeiro Chateaubriant, dono da empresa Unik Service, mostram que partiu da Moriá a iniciativa de pedir os orçamentos a ele. Não houve resposta por parte da empresa.

Apesar disso, a Folha de S.Paulo identificou nos papéis protocolados pela ONG junto ao Ministério do Esporte orçamentos com uma assinatura digitalizada do dono da empresa, com textos que ele garante nunca ter escrito e preços para serviços nos Jogos Escolares Digitais (Jedis) do Acre e de Brasília.

"Eu nem sequer posso emitir nota fiscal fora da cidade do Rio de Janeiro, só tenho inscrição municipal", disse o empresário à reportagem, lamentando que o Ministério do Esporte nunca o tenha procurado, por e-mail ou telefone, para checar a veracidade dos documentos.

A empresa StandsBR inicialmente disse à Folha de S.Paulo que os orçamentos apresentados em seu nome e visualizados pela reportagem em plataforma de transparência do governo seriam falsos. Afirmou que atua no ramo de congressos médicos e não teria como fornecer joysticks nem o aluguel de ginásios no Acre e no Espírito Santo, alguns dos itens dos orçamentos protocolados junto ao Esporte.

Um dia depois, voltou atrás e disse ter apresentado os orçamentos.

Procurada pela reportagem, a Moriá disse que "durante um processo de compra e contratação, centenas de interessados se apresentam. Muitas vezes os prazos de solução de contratação são curtíssimos, sobrecarregando a estrutura da entidade". Afirmou ainda que os protocolos estão sendo revistos e auditados após a mensagem da reportagem.

Em todos cinco Jedis já executados ou em execução e nos sete em processo de aprovação do plano de trabalho no Ministério do Esporte, todos a partir de emendas parlamentares, o modelo se repete: não mais do que 20 empresas apresentam orçamentos, sendo que seis delas concorrem por mais de 70% do valor total do projeto.

São mais de 120 itens, para os quais invariavelmente os valores apresentados em nome da Octaplan (que não tem site atualizado ou perfil nas redes sociais e cujo telefone ninguém atende), Unik e StandsBr são mais altos, respaldando a contratação de um grupo de três empresas de eventos, todas de Brasília e arredores. Essas empresas são contratadas mesmo quando o serviço é em outro estado.

Nos Jedis do Rio de Janeiro, por exemplo, até as ambulâncias para o evento de encerramento foram contratadas de uma empresa de Brasília, a LG Promoções e Eventos, que cobrou o valor de cinco diárias para atender evento de um dia no Rio.

"As pesquisas de preços inicialmente são realizadas pela internet, fonte onde sempre se localiza os melhores fornecedores e prestadores de serviços, inclusive com avaliações de desempenho delas, reclamações etc", explicou a Moriá, quando questionada sobre a opção.

A reportagem não conseguiu encontrar site ou redes sociais da LG Promoções e Eventos. Por telefone, uma pessoa não identificada disse que a empresa tem estrutura para fornecer os serviços.

A reportagem procurou os ex-deputados federais Pedro Augusto (PP-RJ) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC), responsáveis pelas emendas que pagam os Jedis do Rio e do Acre, mas eles não responderam. O senador Izalci Lucas (PL-DF) repassou R$ 7,5 milhões para o Circuito Jedis-DF e, procurado, também não respondeu.

Uma outra emenda foi autorizada pela ex-deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF), hoje deputada distrital. Ela disse que a análise documental não compete ao seu gabinete parlamentar, mas ao Ministério do Esporte. Afirmou também que não é do seu gabinete a responsabilidade de analisar planilha de preços, a composição de custos e a documentação da entidade ao repassar uma emenda.

A legislação recomenda que, em contratações como essas, ONGs adotem métodos usualmente utilizados pelo setor privado, ou seja, o de três orçamentos. Em situação semelhante, quando encontrou orçamentos forjados em projetos do Instituto Leo Moura, também junto ao Ministério do Esporte, a CGU tratou a situação como irregularidade e disse que causava " restrição de competitividade"

A partir daquela auditoria, a CGU recomendou que o Esporte elaborasse orientação formal a fim de padronizar e detalhar os procedimentos em convênios deste tipo, incluindo "a realização de pesquisa de preços de forma ampla e com itens de especificações compatíveis com os itens constantes nos orçamentos proposto".


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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