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Enquadro criminal de golpistas ganha força, mas ainda sob corrente divergente

Por Folha de São Paulo

20/11/2024 17h15 — em
Política



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As condutas dos cinco presos pela Polícia Federal nesta terça-feira (19) sob a suspeita de atuar em um plano de golpe de Estado no Brasil em 2022 podem ser enquadradas como crimes contra a democracia, segundo 4 de 5 especialistas em direito penal ouvidos pela Folha de S.Paulo.

Há, porém, uma corrente divergente que entende as ações dos suspeitos como atos meramente preparatórios, o que levaria as condutas a não serem passíveis de punições no campo criminal.

Em debate estão principalmente os delitos de tentativa de golpe de Estado e de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, ambos com emprego de violência ou grave ameaça.

Segundo a investigação da Polícia Federal, um plano golpista que previa até a morte de Lula, então presidente eleito, de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foi preparado pelo general da reserva Mário Fernandes.

O plano teria sido colocado em prática após um encontro no Palácio do Planalto em 6 de dezembro de 2022, no fim do mandato de Jair Bolsonaro (PL). A preparação durou nove dias e envolveu a compra de celulares descartáveis e monitoramento da localização de Moraes, de acordo com relatório da PF.

Para os investigadores, a prisão do ministro do STF chegou a ser organizada para 15 de dezembro de 2022. A execução do plano acabou abortada na noite daquele dia, com militares do 1º Batalhão de Ações de Comandos do Exército, de Goiânia (GO), a postos para a execução do ataque em Brasília, segundo a PF.

O advogado Maurício Zanoide, professor de processo penal da USP, diz que os atos descritos pela PF podem ser enquadrados como tentativa de golpe de Estado e de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.

"A investigação está demonstrando uma ação criminosa voltada a prender pessoas, tirar a liberdade de pessoas para poder ter vantagem com relação a isso. Fazer campana, acompanhar, perguntar se pode agir e fazer um estabelecimento do que vai acontecer após a supressão dessas pessoas, isso já é ato executório, sem dúvida", segundo o professor.

Para advogada Ana Carolina Moreira Santos, professora de direito penal da Universidade Zumbi dos Palmares, os delitos sob discussão são considerados crimes de perigo, ou seja, se consumam a partir da colocação da democracia em risco.

"Os tipos penais preveem uma forma tentada de crime, são chamados de crimes de empreendimento. Ou seja, a mera tentativa já consuma o delito. No caso, a partir das informações disponíveis, parece claro que os bens jurídicos tutelados, o Estado de Direito e o governo legitimamente eleito, foram expostos a perigo."

O advogado Leandro Sarcedo, doutor em direito penal pela USP, aponta uma série de condutas indicativas de que "foram superados os meros atos preparatórios, dando-se início aos atos executórios".

Ele cita compra de telefones registrados em nomes de laranjas, acesso a informações de segurança, vigília sobre autoridades, elaboração de planos estratégicos e minutas jurídicas para justificar ação futura, deslocamentos rodoviários com a finalidade de executar atos preordenados no plano traçado e contato com líderes dos acampamentos que não aceitavam o resultado das eleições.

"[Isso] sem falar dos atos de violência efetivamente ocorridos durante aquele período, como a invasão da sede da Polícia Federal, por exemplo", afirma Sarcedo.

Mestre em direito processual penal, a advogada Maria Jamile José afirma que, "nos crimes contra o Estado democrático de Direito, o legislador antecipou o momento da consumação do crime para a fase da tentativa".

"Assim, neste caso, planejamento, organização e levantamento de fundos já configuram o delito."

Já a professora de direito penal Marina Coelho Araújo (Insper), que é também conselheira do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), diverge dos demais especialistas ouvidos pela reportagem.

Para ela, não há elementos para configurar as condutas como crimes.

"Por ora, na decisão [de prisão dos suspeitos], eu não enxergo que cruzamos a barreira dos atos preparatórios. Mesmo nos crimes de que estamos falando, de uma conduta tentada, é necessário que o iter criminis [expressão em latim que significa trajetória do crime] se inicie."

No caso, diz a professora, "são atos preparatórios que foram valorados a partir de vários outros processos que nem constam nessa decisão".

O senador Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho de Bolsonaro, criticou a operação da PF e defendeu a tese de que as ações dos suspeitos não devem ser enquadradas como delitos.

"Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime. E para haver uma tentativa é preciso que sua execução seja interrompida por alguma situação alheia à vontade dos agentes. O que não parece ter ocorrido", escreveu o congressista.

Na decisão de prisão dos suspeitos, o ministro Alexandre de Moraes afirma que "os elementos trazidos aos autos comprovam a existência de gravíssimos crimes e indícios suficientes da autoria".

"Além de demonstrarem a extrema periculosidade dos agentes, integrantes de uma organização criminosa, com objetivo de executar atos de violência, com monitoramento de alvos e planejamento de sequestro e, possivelmente, homicídios", completa o ministro do STF.

Moraes cita, na decisão, indícios de autoria dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e de associação criminosa -que podem resultar em até 23 anos de penas.


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