Filho de Jango se encontra com Maduro em Caracas, e ditador celebra 'irmandade'
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Com certa pompa, o ditador Nicolás Maduro compartilhou em suas redes sociais na noite deste domingo (12) fotos do encontro que teve na Venezuela com João Vicente Goulart, filho do presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964.
O herdeiro de Jango foi a Caracas para a posse de Maduro na última sexta (10), após eleições apontadas como fraudadas, representando o Instituto João Goulart, que preside. O projeto fechou uma parceria com o venezuelano Instituto Simón Bolívar para cooperação.
"Recebi uma emotiva carta que realça a irmandade, a solidariedade e as palavras de apoio da família Goulart", diz Maduro, que compartilhou fotos do texto, assinado por Maria Thereza Goulart, viúva de Jango.
Na carta, ela diz que existem inúmeros pontos de convergência entre a Revolução Bolivariana, como se denomina o projeto de Hugo Chávez (1954-2013), e as ideias que tinha seu marido.
Maduro publicou em suas contas oficiais, nos últimos dias, registros de encontros que teve com as poucas figuras internacionais de peso que foram à sua posse na última semana.
O governo Lula foi representado por sua embaixadora. O PT e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), aliados do chavismo, enviaram delegações.
À reportagem João Vicente diz que o instituto que leva o nome de seu pai foi fundado há 20 anos para resgatar as ideias de Jango e que elas coincidem com "o processo político iniciado pelo presidente Chávez".
"[Existem] muitas convergências na construção de um Estado mais participativo e nacionalista. A reforma agrária, o controle em mãos do Estado das empresas estratégicas nos setores elétricos, siderúrgicos, de petróleo, médicos e educacionais."
Antichavistas e mesmo alguns chavistas apontam que Nicolás Maduro, herdeiro de Chávez que assumiu o poder em 2013, rompeu com muitas das ideias de seu padrinho. Sob Maduro o regime, em grande medida militarizado, se autocratizou e promoveu diferentes ondas de repressão, uma delas que ocorreu justamente nos últimos meses.
Questionado, João Vicente diz por mensagem de texto que não tem "conhecimento da razão dessas prisões a que foram detidos". E continua: "Mas tem outras democracias no tal de 'mundo livres'' que apoiam regimes ditos democráticos, que despejam toneladas de mísseis e bombas matando mais de 40 mil inocentes em Gaza."
A respeitada ONG Foro Penal calcula que haja atualmente 1.700 presos políticos na Venezuela, sendo que 83 deles foram detidos somente nos primeiros 12 dias de janeiro.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirmou recentemente que Caracas usa práticas de terrorismo para silenciar e perseguir opositores. O Tribunal Penal Internacional, baseado em Haia, investiga as violações de direitos humanos no país para compreender se caracterizam crimes contra a humanidade.
João Vicente afirma que falou com Maduro sobre "o aprisionamento de nossas riquezas pelos grandes conglomerados multinacionais, que desde a colonização, submetem os povos latino-americanos a servi-los de matérias primas, para o bem estar do capitalismo internacional".
O filho de Jango foi candidato à Presidência em 2018 pelo então PPL (Partido Pátria Livre), depois incorporado ao PC do B, e conseguiu pouco mais de 30 mil votos, ficando em último na corrida eleitoral.
Formado em filosofia pela PUC do Rio Grande do Sul, ele viveu 15 anos no exílio, a partir da infância, devido ao golpe que tirou seu pai da Presidência da República. Nos anos 1980, foi deputado estadual no Rio Grande do Sul.
A escalada repressiva de Maduro tem feito inclusive governos de tom mais moderado elevarem a crítica. Na última semana, o governo de Gustavo Petro, na Colômbia, fez repetidos chamados a Caracas para que se respeitem os direitos humanos.
No sábado, quebrando meses de silêncio, o Itamaraty também publicou nota pedindo respeito ao direito de protesto e clamando que regime e oposição sentem à mesa para negociar.
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