Políticos são encarados por jovens como influenciadores, com destaque na direita
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Jovens da América Latina comparam políticos muito ativos nas redes sociais a influenciadores, e essa maneira de encará-los pode impactar expectativas sobre o tempo da política e o que fazem seus atores.
Ao mesmo tempo, os mais ativos nas redes são associados a uma "política moderna e nova" mais próxima do cidadão e menos arrogante.
Embora políticos de linhas ideológicas opostas se destaquem no cenário, predomina a lógica voltada a temas como empreendedorismo e individualismo, mais alinhada ao discurso da direita.
Essas são algumas das conclusões apontadas por estudo divulgado pelo InternetLab, centro de pesquisa sobre direito e tecnologia, a respeito de influenciadores e política na percepção de jovens da América Latina.
Feito em três etapas, o estudo teve uma primeira fase iniciada em outubro de 2023, quando 350 jovens de 16 a 24 anos do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e México responderam a questionário sobre o tema.
Em uma segunda etapa, realizada entre junho de 2023 e janeiro de 2024, os pesquisadores aprofundaram os resultados do questionário por meio de minigrupos focais com 90 participantes no total.
Houve ainda uma terceira etapa de entrevistas em profundidade com influenciadores e especialistas da indústria digital para compreender as dinâmicas da produção de conteúdo.
A pesquisa mapeou os influenciadores mais citados pelos jovens e identificou entre eles celebridades, nativos digitais surgidos nas redes e políticos que adotam estratégias típicas das plataformas, como a realização de lives e divulgação de memes, uso de humor e danças no TikTok.
Nesse contexto, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, é um fenômeno transnacional conhecido por meio das redes sociais. Ele é identificado como "alguém jovem, não rendido aos grandes meios de comunicação" e bem-sucedido no cuidado com a segurança pública mesmo entre aqueles que se dizem progressistas.
Já o Brasil, segundo o estudo, se destaca pela "fadiga e afastamento" dos jovens em relação à política, relacionados com a polarização vivida nos últimos anos.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece na pesquisa em papel relevante entre influenciadores no Brasil, ficando ao lado de políticos com destaque em seus países, como Javier Milei, presidente da Argentina, Bukele e o ex-candidato à Presidência do Chile José Antonio Kast, todos alinhados à direita.
À esquerda, a pesquisa identificou Gabriel Boric, presidente do Chile, Gustavo Petro, da Colômbia, Claudia Sheinbaum, do México, e seu antecessor Andrés Manuel López Obrador.
Segundo o estudo, jovens consomem mais conteúdo de políticos de direita no Brasil, Chile e Argentina. Na Colômbia e no México, a preferência é por personagens de esquerda.
No cenário brasileiro, Bolsonaro e Nikolas Ferreira, deputado federal de Minas Gerais pelo PL, são os únicos políticos que aparecem dentre os 85 perfis mais citados espontaneamente pelos jovens quando questionados sobre influenciadores que seguem e com quem se identificam.
Em pergunta fechada sobre se seguiam o perfil de políticos, o ex-mandatário aparece em 30% das citações, Nikolas, em 23%, e o presidente Lula (PT), em 42%.
O petista, entretanto, não é citado espontaneamente pelos jovens, o que pode indicar que não é necessariamente visto como influenciador, afirma Thais Pavez, uma das autoras do estudo.
Bolsonaro indicado em novembro pela Polícia Federal por envolvimento em uma trama golpista para impedir a posse de Lula tem 25,9 milhões de seguidores no Instagram e 6 milhões no TikTok. Nikolas tem 12,2 milhões e 6,2 milhões, respectivamente. No caso de Lula, os valores são 13,3 milhões e 5 milhões.
O levantamento foi feito antes da projeção conquistada pelo influenciador Pablo Marçal (PRTB) nas eleições deste ano. Com perfil próximo daquele destacado no estudo, ele ficou em terceiro lugar na disputa à Prefeitura de São Paulo.
De acordo com Ester Borges, coordenadora de pesquisa do InternetLab, o que parece haver em comum entre os políticos identificados como influenciadores é o fato de usarem as redes para propagar soluções que os jovens estão procurando em um mundo em crise.
"Constatamos que esses políticos que acabaram ficando mais populares e famosos entre os jovens eram aqueles que respondiam de alguma forma aos anseios deles. O jovem, no geral, está bem pessimista em relação à política e à economia dos seus países", afirma.
Ela diz que comparar políticos muito ativos nas redes a influenciadores pode trazer como implicação a busca por uma "política cada vez mais imediatista", uma vez que o tempo próprio do campo é diferente daquele das plataformas.
Os jovens também tendem a vincular a coerência de comportamento dos influenciadores à ideia de autenticidade. Por isso, podem não compreender alterações de posicionamento que fazem parte da política como espaço de negociação, diz Borges.
"A nuance do jogo político acaba ficando perdida se a gente encara mudanças de postura como falsidade ou manipulação", afirma.
Apesar de identificar uma política "nova e moderna" com os influenciadores, proporção significativa dos jovens prefere não falar do tema nas redes, cenário acentuado no Brasil, onde 40% dos que responderam à pesquisa afirmam que conversar sobre política nas plataformas "é ruim, prefiro conversar pessoalmente". O segundo maior grupo, 29%, disse que fazer isso é importante para formas suas opiniões.
ASSUNTOS: Política