PT sobrevive ao pós-Lula, diz deputada que se projetou na esquerda após eleição
RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - A participação em movimentos estudantis enquanto cursava direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte levou a jovem Natália Bastos Bonavides a entrar na política partidária. Hoje, aos 36 anos, ela exerce o segundo mandato de deputada federal e disputou uma eleição para o Executivo.
Apesar de ter sido derrotada na disputa pela Prefeitura de Natal, conseguiu projeção política no estado e no país, principalmente dentro da esquerda, após disputar o segundo turno.
A entrada na política aconteceu em meio à participação em coletivos de defesa de direitos de comunidades rurais e urbanas. Inicialmente, os pais -psicóloga e petroleiro aposentado- resistiram.
"No começo, eles ficaram assustados com a ideia, mas depois tornaram-se os maiores militantes das campanhas", diz a deputada, caçula de quatro irmãos.
Quando criança, ela queria ser astronauta. Por isso, inclusive, uma de suas gatas se chama Terê, em homenagem à russa Valentina Tereshkova, primeira mulher a ir ao espaço. A outra gata se chama Sub, em homenagem ao avô.
"Meu avô, que não conheci, foi preso e teve os direitos políticos cassados pelo golpe militar. Na ala dos presos no quartel, apareceu uma gata tentando roubar comida. Ela era chamada de Sub, porque era subnutrida e tida como subversiva", conta.
A filiação ao PT aconteceu em 2012, mas ainda sem pretensão de disputar eleições. Foi eleita vereadora em 2016 com 6,2 mil votos, representando mulheres que debatiam feminismo e a participação feminina na política.
Em 2018, obteve 112 mil votos como deputada e, quatro anos depois, foi reeleita com 157 mil, a mais votada do estado. Ela não descarta ser novamente candidata a prefeita.
Como deputada, diz que já foi vítima de casos de violência política e de machismo, tanto em Brasília como em campanhas eleitorais. "Desde barrarem de entrar no plenário, perguntarem cadê o crachá de assessora, perguntarem qual deputado estamos acompanhando."
"Se nós, mulheres, não ocuparmos os espaços de poder, pode ser pior", diz.
Natália conta que convive sem dificuldades com amigos de direita, mas diz não ter amigos bolsonaristas: "algumas coisas são sobre valores. Uma pessoa que defende tortura, que diz que a ditadura não existiu, isso é mais do que opção política".
Torcedora do ABC, gosta de pintar quadros em momentos de lazer e quer aprender a tocar violão e piano.
Como mulheres que são suas referências na política, cita a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), a ex-deputada federal Manuela D'Ávila, além de Alzira Soriano (primeira mulher prefeita no Brasil) e a educadora Nísia Floresta.
Uma das bandeiras do seu mandato é a busca por memória e verdade sobre a ditadura militar. A petista representa a Câmara na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, retomada no governo Lula.
"A forma como foi feita a transição para a democracia não respeitou princípios necessários para se ter justiça", diz Natália, ao citar a falta de julgamentos de torturadores e assassinos.
A deputada cita o sucesso do filme "Ainda estou aqui" ao defender que o período da ditadura seja lembrado aos mais jovens, para que não se repita.
A petista é a autora da ação em que o Supremo Tribunal Federal determinou que recursos públicos não podem ser usados para promover comemorações do golpe de 1964.
Para Natália, a esquerda precisa recuperar a mobilização junto à sociedade e melhorar a comunicação. "É onde está o calo da esquerda, priorizar quase só espaços institucionais de disputa, o que faz com que a gente se afaste do dia a dia das pessoas."
Por outro lado, associa as mudanças de relações de trabalho, como terceirização e reforma trabalhista, à dificuldade de atuação da esquerda. "A vulnerabilidade social deixa as pessoas mais suscetíveis a serem usadas por políticos que as consideram apenas título de eleitor."
Em 2024, a deputada votou contra o pacote de corte de gastos do governo Lula, sendo alvo de críticas internas no partido. Em artigo, disse que as medidas que foram a voto não tocam "no andar de cima".
Bonavides faz parte da Articulação de Esquerda, uma ala minoritária do PT. Ela diz que a corrente vai lançar uma candidatura própria à presidência da legenda nas eleições internas de 2025.
"É um erro o discurso de que o PT tem que ir para o centro. Para que existir então? Temos que defender um PT mais próximo da classe trabalhadora em lutas como o fim da escala 6 por 1, que poderia ser melhor aproveitada pela esquerda."
A deputada defende Lula como candidato à reeleição em 2026. Sobre 2030, diz estar longe para apontar sucessores do presidente, caso ele seja reeleito.
Indagada se o PT falhou ao não criar nomes de grande potencial de voto tal qual Lula, Natália minimiza. "Os partidos em geral passam por uma transição geracional. Uma figura como Lula não se produz de forma artificial."
Para Natália, o PT continuará forte mesmo quando Lula sair de cena na política. "Lula está além do PT eleitoralmente, mas o PT é maior do que pessoas físicas."
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