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Saúde de políticos na esteira de Biden deve virar arsenal eleitoral com impacto para Lula em 2026

Por Folha de São Paulo

13/07/2024 23h30 — em
Política



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O debate público sobre a saúde dos políticos costuma ser pouco explorado no Brasil, mas diante de discussão sobre a situação do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a questão deve ser usada como arsenal político nas eleições de 2026, afirmam especialistas.

Para os estudiosos, o tema tem sido abordado de maneira descontextualizada da realidade brasileira e envolve aspectos como etarismo, estratégia de marketing e discussão sobre a necessidade de renovação dos partidos.

Apesar de a situação do presidente Lula (PT) não ser comparável à de Biden, o mandatário brasileiro pode enfrentar críticas semelhantes vindas da oposição.

Caso concorra e vença em 2026, Lula, que admite a possibilidade de disputar a reeleição, terá 81 anos ao começar um novo mandato. É a mesma idade hoje do mandatário americano, que tem tido sua capacidade de governar questionada após episódios como um fraco desempenho em debate, em junho.

O uso do caso Biden contra Lula já tem sido feito por adversários. Dias depois do debate nos EUA, Jair Bolsonaro fez publicação questionando as "faculdades mentais" do mandatário brasileiro. Já Javier Milei, presidente da Argentina, chamou Lula de "dinossauro".

Contrapondo-se ao discurso, o petista tem negado possíveis impactos negativos do envelhecimento sobre seu trabalho. Disse não estar cansado, ter "tesão de 20 anos" e criticou a comparação com o presidente dos Estados Unidos.

"Usam a mesma tática [utilizada contra Biden] com o intuito, evidentemente, de desclassificar um adversário político", afirma Kai Enno Lehmann, professor associado do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), sobre o discurso contra Lula.

Pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV, Leonardo Paz afirma que o questionamento sobre a sanidade de políticos é estratégia comum na mídia ocidental quando a intenção é criticar lideranças.

Ele cita como exemplo questionamentos sobre a sanidade mental de Kim Jong-un, da Coreia do Norte, ou reportagens sobre possíveis problemas psicológicos de Vladimir Putin, presidente da Rússia.

"Quando se tem um opositor, especialmente um mais sanguíneo, uma estratégia é querer desqualificá-lo o máximo possível", diz. "Uma maneira fácil de fazer isso sem ter que discutir ideias é dizer que a pessoa é maluca."

Paz diz que, devido ao contexto internacional envolvendo Biden, que tem tido sua capacidade física e cognitiva posta em xeque, o tema deve ser explorado politicamente contra Lula caso ele seja candidato à reeleição, apesar de a situação do mandatário brasileiro não se aproximar daquela do político americano.

Segundo o pesquisador, o debate sobre a saúde dos políticos é reduzido no Brasil também porque o país não teve em sua história presidentes com doenças incapacitantes. A falta de transparência não é exclusiva do país: mesmo democracias mais avançadas têm restrições em relação ao tema, afirma.

Um dos motivos para isso, diz, é o fato de o assunto ser tratado como questão de segurança nacional.

"No mundo inteiro, a discussão sobre a doença de líderes é muito complexa porque raramente temos toda a informação sobre um caso, especialmente na época em que a doença acontece", afirma.

Ele dá como exemplo o fato de Bolsonaro ter colocado sob sigilo de cem anos seu cartão de vacinação. "Apesar de não ser um exemplo de doença, o fato de ele ter feito isso com muita facilidade mostra a dificuldade de se ter acesso à transparência desses dados", diz.

De acordo com Filipe Savelli Pereira, pesquisador vinculado ao Laboratório de História das Interações Políticas e Institucionais da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), a discussão sobre a saúde de políticos no Brasil se dá mais como estratégia de marketing dos partidos.

Ele também afirma que, ao contrário do que parece estar acontecendo com Biden, o Brasil não teve mandatários cujo estado de saúde parecesse incapacitante.

Lehmann, da USP, também vê uso estratégico do tema, mas avalia que o debate sobre o envelhecimento dos políticos pode suscitar discussão importante sobre a necessidade de renovação dos partidos.

"Uma das tarefas desses partidos [tradicionais] é criar um sistema de renovação", diz. "É necessário formar uma geração mais jovem de políticos e deixá-los assumir posições de responsabilidade."

Segundo Marco Túlio Cintra, presidente da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), é preciso ter cuidado com o etarismo quando o tema é envelhecimento.

O geriatra afirma que a idade não é um bom critério para definir se uma pessoa deve ou não assumir um cargo. De acordo com Cintra, é normal perder parte das reservas fisiológicas com o envelhecimento, mas isso não é incapacitante.

O que é preciso notar, diz ele, é se a pessoa sofre com um processo de envelhecimento frágil que diminui suas capacidades para além de um limiar que garanta independência.

"A idade não é bom critério para determinar nada. Eu tenho pacientes com 60 anos acamados com demência avançada e tenho pacientes centenários independentes", afirma.

Isabela Akie Shin-Ike, geriatra pela USP e médica da Clínica Sartor, afirma que é normal, a partir dos 75 anos, alguma perda de memória e lentidão no raciocínio.

O quadro, entretanto, é sutil e não compromete a atuação do indivíduo. Por isso, tratar do envelhecimento natural de alguém precisa ser diferente de pressupor que a pessoa vai apresentar problemas que a incapacitem para exercer uma profissão, diz a geriatra.

Um político mais velho em um debate, por exemplo, pode se desconcentrar mais facilmente do que um mais novo, mas, em condições normais, o efeito é sutil e não compromete o desempenho, até porque "eles são diariamente treinados para isso", afirma Isabela.

"Ter demência ou uma perda importante da memória que tenha impacto no dia a dia, na vida do paciente, não é normal. Quando isso acontece, precisa ser investigado", diz.


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