A série brasileira “Pedaço de Mim”, estrelada por Juliana Paes e Vladimir Brichta, estreou na Netflix e está se tornando um fenômeno de audiência, com uma trama elogiada até por grandes nomes da teledramaturgia brasileira, que conta a história de uma mulher que está grávida de gêmeos, mas que descobre que eles são filhos de dois pais diferentes. 

A condição conhecida como superfecundação heteroparental, embora rara, é um fenômeno real. Segundo a ginecologista e especialista em reprodução humana Paula Marin, a superfecundação heteroparental ocorre quando gêmeos fraternos, que não são idênticos, têm pais biológicos diferentes. Este processo se dá quando uma mulher libera dois ou mais óvulos durante o mesmo ciclo menstrual e esses óvulos são fertilizados por espermatozoides de diferentes parceiros sexuais.

A raridade deste tipo de gestação é confirmada por um estudo da Sociedade Internacional de Estudos de Gêmeos, que identificou apenas três casos de superfecundidade heteroparental em um banco de dados de 39 mil registros de testes de parentesco. O estudo também revelou que a frequência deste fenômeno entre gêmeos dizigóticos, formados a partir de dois óvulos, cujos pais estavam envolvidos em processos de paternidade, é de apenas 2,4%.

Fernando Prado, médico ginecologista, obstetra e especialista em reprodução humana, explica que a superfecundação heteroparental é rara devido à dificuldade de ovulação de dois óvulos em um mesmo ciclo menstrual. Normalmente, a espécie humana libera apenas um óvulo por ciclo, tornando a ovulação de dois óvulos um evento incomum. Além disso, a mulher precisaria ter relações sexuais com dois homens diferentes para que cada óvulo fosse fertilizado por espermatozoides distintos, o que torna as condições para a superfecundação bastante raras.

Para que a superfecundação heteroparental ocorra naturalmente, as relações sexuais com diferentes parceiros devem ocorrer dentro do período fértil da mulher, que é uma janela de tempo relativamente curta de aproximadamente seis dias. Os espermatozoides podem sobreviver no trato reprodutivo feminino por até cinco dias, enquanto o óvulo permanece viável por cerca de 12 a 24 horas após a ovulação, portanto, as relações sexuais com parceiros diferentes devem acontecer dentro dessa semana.

Além de ocorrer naturalmente, esse tipo de fecundação também pode ser resultado de técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro (FIV). Nesse caso, os óvulos de uma mulher são fertilizados por espermatozoides de diferentes doadores ou parceiros durante o mesmo ciclo de tratamento. No entanto, de acordo com a Resolução de 2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM), a transferência embrionária deve ser realizada com embriões de uma única origem para garantir a segurança da prole e a rastreabilidade, o que impede a gestação de gêmeos não idênticos com pais biológicos diferentes.

A determinação de que os gêmeos são de pais diferentes pode ser feita por meio de um teste de DNA, que é o método mais confiável para estabelecer a paternidade quando há suspeita de superfecundação heteroparental. O teste compara o material genético dos gêmeos com o dos possíveis pais. Esse exame pode ser realizado tanto após o nascimento quanto durante a gestação, através de amniocentese ou biópsia de vilo corial. Contudo, devido aos riscos associados a esses procedimentos durante a gravidez, é geralmente recomendado esperar pelo nascimento das crianças.

Quanto aos riscos para a gestante ou os bebês, a superfecundação heteroparental não apresenta riscos adicionais específicos em comparação com uma gestação de gêmeos comum. No entanto, gestações gemelares em geral podem ser mais complicadas e exigir acompanhamento médico mais rigoroso devido ao aumento dos riscos de parto prematuro, baixo peso ao nascer e outras complicações gestacionais.