Criança de 4 anos é morta em operação da PM em Santos
SANTOS, SP E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um menino de 4 anos morreu após ser atingido por um disparo na noite desta terça-feira (5), no Morro de São Bento, em Santos, litoral paulista. Segundo a versão oficial do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Polícia Militar fazia uma operação na comunidade e teria ocorrido um confronto com criminosos.
Ryan da Silva Andrade Santos brincava na rua com outras crianças quando foi atingido na região do abdômen. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. O pai da criança morreu em confronto com a PM em uma outra operação, em fevereiro deste ano.
A cozinheira escolar Beatriz da Silva, 29, mãe de Ryan, estava próxima da casa de familiares quando o crime ocorreu. "Perdi um pedaço de mim", disse ela durante o velório. "[É] Terrível. Eu estava tentando caminhar para criar eles, e aí acontece isso."
Em entrevista coletiva na manhã desta quarta (6), o coronel Emerson Massera, afirmou que, provavelmente, o tiro que matou a criança partiu da arma de um policial.
"Pela dinâmica da ocorrência, nós temos que, provavelmente, o disparo que atingiu o menino partiu de uma arma de um policial militar. O projétil ficou alojado, nós teremos agora condições de fazer o confronto balístico", afirmou. "Lamentamos muito".
Uma mulher de 24 anos foi atingida de raspão no braço durante o tiroteio. Ela foi medicada e liberada. O tiro que a atingiu, segundo Massera, também deve ter partido de um policial.
Dois suspeitos, de 15 e 17 anos, também foram atingidos por disparos na ação, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública). O mais velho morreu e o outro está internado sob escolta. As armas que estariam com eles foram apreendidas.
Segundo um morador da região, a moto da dupla seria roubada e eles chegaram a ser perseguidos por dois policiais da Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas) antes de serem atingidos pelos policiais.
De acordo com três moradores que conversaram com a reportagem no local, os policiais estavam num carro descaracterizado e os adolescentes na moto, desarmados.
Eles também afirmaram que os adolescentes estavam caídos na sarjeta da rua quando os PMs dispararam em direção à parte de cima do morro, onde mais de dez crianças brincavam na rua. Os dois teriam sido alvo de tiros quando já estavam caídos no chão, ainda de acordo com os moradores.
Segundo a pasta da segurança, os agentes faziam patrulhamento em uma área de tráfico de drogas na região quando foram atacados por um grupo de aproximadamente dez criminosos.
A SSP afirmou em nota que "lamenta profundamente o falecimento de uma criança de quatro anos durante um confronto entre criminosos e policiais militares."
A Delegacia Seccional de Santos instaurou um inquérito para apurar os fatos e determinou a realização de perícia nas armas apreendidas e no local do confronto para esclarecer a origem do disparo que atingiu a criança.
A mulher de 24 anos que ficou ferida na ação da Polícia Militar afirmou que os dois adolescentes que andavam numa moto no momento dos disparos foram atingidos pelas costas. Ryan estava dentro da casa dela quando levou um tiro na barriga e morreu.
A moradora ferida falou com a Folha sob condição de anonimato, por temer represálias. Ela diz que Ryan e seus dois filhos brincavam na rua, assim como outras crianças, em frente à garagem de sua casa por volta das 20h30, quando os tiros começaram.
Segundo ela, seus familiares chegaram a ver a movimentação da PM e da moto logo antes do ataque.
Os policiais teriam esperado os adolescentes na moto passarem na rua e disparado, de acordo com a mulher ferida no tiroteio. Há um ponto de venda de drogas próximo ao local, no Morro de São Bento, que segundo ela estava vazio no momento.
Os sete policiais envolvidos na ação foram afastados das ruas e encaminhados para receber apoio. Eles são tratados como vítimas, de acordo com o porta-voz da PM, pois teriam sido atacados e trocado tiros com os criminosos.
Eles não usavam câmeras, segundo a PM, pois o batalhão ao qual pertencem ainda não foi contemplado com os equipamentos.
Para identificar os criminosos, Massera afirma que a corporação iniciará uma operação na região, com reforço de policiamento, incluindo o Batalhão do Choque.
"O reforço do policiamento é uma operação. É uma operação, inclusive, com apoio de outras unidades da Polícia Militar, com destaque ao policiamento de choque. Mas essa operação tem um objetivo claro, que é identificar e prender esses criminosos. Nós não sairemos de lá enquanto eles não forem presos, enquanto eles não forem, pelo menos, identificados e responsabilizados", afirmou Massera.
Ele não descartou uma possível escalada da tensão na Baixada Santista em razão da nova operação.
"É claro que não descartamos a possibilidade de uma escalada na tensão, mas nós estamos trabalhando de maneira muito profissional, de maneira muito técnica e maneira muito pontual nesse momento", afirmou o coronel.
Órgãos como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Sou da Paz e o Movimento Independente Mães de Maio criticam a postura do governo diante do caso.
"É inadmissível que a gestão da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, assim como o comando da PMESP [Polícia Militar do Estado de São Paulo], considere a morte, sobretudo de crianças, como um resultado aceitável da atuação das forças policiais", diz trecho da nota assinada em conjunto.
O texto, endossado também por outras entidades, cita duas vítimas de ações recentes da Polícia Militar. Um menino de sete que seguia para a escola e que ficou cego de uma vista após uma ação de policiais militares na favela Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, em abril. E da morte de Edneia Fernandes Silva, mãe de seis crianças, atingida por um tiro na cabeça em uma praça de Santos, durante uma ação de policiais militares, em março, na Operação Verão.
"Fica evidente que a trágica morte de Ryan não é um incidente isolado, mas sim consequência de um modo de atuação pautado pelo conflito e uso da força desmedida, que promove mortes e a violação de direitos fundamentais, sobretudo nas periferias do estado".
Em 9 de fevereiro o pai da criança, Leonel Andrade Santos, 36, foi morto a tiros de fuzil por policiais militares do COE (Comandos e Operações Especiais) da PM durante a Operação Verão.
De acordo com Beatriz, mãe de Ryan, Leonel tinha deficiência física e usava muletas.
Na em entrevista coletiva na manhã desta quarta, o coronel Emerson Massera chegou a citar o histórico criminal do pai da criança.
A reportagem questionou a SSP sobre as passagens do homem pela polícia mencionadas pelo oficial da PM. Em nota, a gestão Tarcísio se limitou a responder que o caso é investigado pela Deic de Santos sob sigilo determinado pela Justiça. "O Inquérito Policial Militar sobre os fatos foi concluído e encaminhado ao Poder Judiciário".
"Não é legal falar isso nesse momento, porque nós temos uma criança vítima, mas o pai era envolvido com crimes na região e confrontou a polícia em duas oportunidades. O pai dele, o Leonel, era deficiente. Ele estava de muleta quando foi morto. E essa deficiência foi por conta de um tiroteio com a polícia", declarou Massera.
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