Delegado, PM, missionário e cozinheiro são vítimas de latrocínio, crime que cresceu em São Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O delegado Mauro Guimarães Soares, 59, passeava tranquilamente com a esposa por uma rua da Lapa, zona oeste de São Paulo, na manhã de um sábado de setembro quando foi atacado por um criminoso. O ladrão, em uma moto, estaria interessado em uma correntinha do policial. Houve troca de tiros. Soares, há 35 anos na polícia, não resistiu. O bandido, baleado, foi preso. Um outro envolvido foi detido dias depois.
A história de Soares, um roubo que resultou na morte da vítima, se repetiu outras 49 vezes entre janeiro e novembro na capital paulista. O número é maior do que os 37 casos registrados no mesmo período do ano passado. Em todo 2023 foram 43 latrocínios (roubo seguido de morte). No estado foram 148 assassinatos no ano passado contra 164 em 2024.
Somente em dezembro foram ao menos três vítimas de criminosos em uma semana. Na véspera de Natal Susumo Fukudome foi assassinado durante um roubo na rua Alberto Colombero, na Penha, zona leste.
Ele estava na via com a esposa quando um bandido chegou a pé e pediu dinheiro. Fukudome disse que não tinha. O ladrão roubou a bolsa da mulher e atirou no homem. Ele morreu no local. O criminoso, que seria conhecido por perambular pela região e por frequentar uma favela vizinha da vítima, fugiu. Ele foi preso no dia 26.
Dois dias antes o missionário Anderson Felipe da Silva, 28, foi morto quando chegava a uma igreja na estrada do Alvarenga, no bairro Pedreira, na zona sul. Os ladrões queriam a moto, uma Royal Enfield Interceptor 650, comprada por Silva havia um mês. Os bandidos, que estavam em uma moto, fugiram com o veículo do missionário. Silva atuava como gerente de marketing.
"Tenho certeza que ele não reagiria, ele nunca usaria de violência para nada. Por algum motivo ele tentou sair daquela situação 'fugindo', provavelmente se assustou. Os bandidos não hesitaram em levar a moto mesmo vendo meu primo agonizar no chão ferido. Esta violência só mudará com mudanças nas leis, na política e na ideologia", disse o personal trainer Danilo Pontes, 29.
O ajudante de cozinha Levi Maurício da Costa, 18, estava feliz com uma nova oportunidade. Ele retornava para casa na noite de segunda-feira (16) após completar o quarto dia de trabalho num restaurante. O jovem, que sonhava ser chef de cozinha, faria aniversário no domingo. Um criminoso em uma moto abordou Levi por volta das 22h40 na rua Alice Leo, no Jardim Ângela, na zona sul. O ladrão exigiu o celular e o tênis, de acordo com a família.
Levi tirou um par do calçado, mas não teve tempo de entregar o outro. Foi morto com um disparo quando já estava perto de casa. O criminoso fugiu. Aquele caminho tomado era alternativo, justamente pelo medo da violência.
"Quando ele tirou um tênis, o motoqueiro, acho que na adrenalina, falou que estava demorando muito e a moto caiu por cima do Levi. Quando o Levi empurrou a moto para sair de cima dele, para poder tirar o outro tênis, ele se assustou e deu um tiro na cabeça do Levi", disse a auxiliar de enfermagem Camila Bezerra, 35, tia do jovem.
A soldado da PM Sabrina Freire Romão Franklin, 30, voltava para casa em uma noite de janeiro em sua motocicleta Honda CB 250, quando foi abordada por dois criminosos em uma moto na estrada Ecoturística de Parelheiros, no extremo da zona sul. Houve troca de tiros.
Segundo a PM, a intenção dos criminosos era roubar o veículo da policial. Eles fugiram deixando a moto, mas levaram a arma de Sabrina, que foi baleada nas costas. Ela morreu no Hospital Municipal de Parelheiros.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou realizar o constante monitoramento de ocorrências contra a vida, incluindo os de latrocínio, por meio do SP Vida, para desenvolver políticas de enfrentamento, e também atuado em outra frente, que é o combate aos roubos. Os registros de assaltos recuaram 15,2% no período (passaram de 209.528 para 177.495 entre janeiro e novembro de um ano para o outro).
"Mesmo estando em uma ligeira queda, os roubos ainda estão em patamares muito elevados. Além disso, nos últimos anos tivemos um aumento de armas em circulação, gerando maior participação de armas de fogo em roubos, crimes com maior potencial de terminar em morte", disse o consultor sênior do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.
Para Langeani, São Paulo não possui uma estratégia estruturada de retirada de armas de fogo. "Não existe delegacia especializada e um esclarecimento muito baixo de crimes de roubo. As prisões acabam acontecendo quase sempre no flagrante, algo diferente precisa ser feito em termos de política de segurança".
Um delegado ouvido pela reportagem afirmou ter percebido que os crimes estão acontecendo de forma mais violenta. Para ele, a sociedade de uma forma geral está mais agressiva, com os criminosos aumentando a violência na hora dos crimes e com armas circulando entre a população que por vezes vão parar nas mãos dos assaltantes.
Para ele, um dos motivos para a violência seria o possível excesso da atuação da PM, que refletiria na atuação dos bandidos, que sairiam não mais apenas para o subtrair o patrimônio, mas para o tudo ou nada.
A zona sul onde Silva, Costa e Sabrina foram assassinados lidera a quantidade de latrocínios no geral na cidade. Dos 45 registros até outubro, 21 foram naquela porção. A zona leste vem na sequência, com 11, seguidos pelas zonas norte e oeste, cada um com seis. A região central teve uma ocorrência.
O assassinato da engenheira Eliane Toniolo, 63, que teve a casa a alameda dos Jurupis, em Moema, invadida na madrugada de 18 de setembro foi fichadas pela delegacia do Campo Belo. Ela, que estava com a filha e na iminência de entregar o imóvel após a venda, se assustou com o barulho da invasão e pegou uma arma. O velho revólver havia sido encontrado durante as arrumações para a mudança. Um dos criminosos foi mais ágil e atirou contra a mulher, que morreu no local.
Os ladrões fugiram. A investigação cruzou imagens de câmeras de rua e identificou um suspeito pela placa do carro. Ele teria ficado de vigia. O homem, que possui diversas passagens por crimes patrimoniais, conforme a polícia, foi preso.
Em junho Leonardo Rodrigues Nunes, 24, foi morto com um tiro durante um roubo na rua Rolando, no Sacomã, zona sul. Ele havia ido ao endereço após marcar um encontro por aplicativo de relacionamento. Homens em uma moto chegaram e anunciaram o assalto. Nunes teria reagido e foi baleado.
O celular dele foi levado pelos bandidos. O sinal de localização do aparelho apontou para a favela Heliópolis, no entorno do local do crime.
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