'E se fosse ao contrário?', gritam manifestantes sobre morte de Miguel
RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - "E se fosse ao contrário?" A pergunta, em forma de grito, reverberou na tarde desta sexta-feira (5) nas ruas do Recife durante ato de protesto contra a morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos. A criança morreu nesta terça-feira (2) após cair do 9º andar do edifício residencial Píer Duarte Coelho, mais conhecido como Torres Gêmeas, no bairro de São José. Miguel estava sob os cuidados de Sari Côrte Real, patroa da mãe dele, no momento em que ela permitiu que ele entrasse no elevador sozinho. No início da tarde, os manifestantes se concentraram em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, no centro do Recife. Com cartazes que pediam justiça, seguiram em marcha até o prédio, também na área central da cidade. Algumas pessoas se deitaram no chão e repetiram que "não foi um acidente". Em frente ao edifício, gritaram a palavra "assassina". Alguns vestiam uma camisa com uma imagem do garoto. Familiares de Miguel participaram do ato. O pai dele, José Silva, afirmou que espera que a Justiça seja feita. Ele declarou que sequer chegou a conhecer Sari Côrte Real. Na terça-feira (2), a Polícia Civil de Pernambuco prendeu Sari em flagrante por homicídio culposo após ela deixar o filho de Mirtes sozinho no elevador, de onde ele se deslocou até um andar mais alto, escalou um buraco de ar condicionado, caiu e morreu. Após pagamento de fiança no valor de R$ 20 mil, foi liberada. Durante o ato, em um dos cartazes lia-se a pergunta: "Vale vinte mil reais a vida de uma criança?" O nome de Mirtes Renata Souza, mãe de Miguel, consta no quadro de servidores da Prefeitura de Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco, desde 2017. Ela trabalhava havia quatro anos como empregada doméstica na casa do prefeito do município, Sérgio Hacker (PSB), e da primeira-dama, localizada no Recife. Em entrevista ao UOL, nesta sexta (5), Mirtes disse que recebia o salário das mãos dos patrões e não sabia que seu nome constava na folha de pagamento da Prefeitura de Tamandaré. "Estou surpresa com essa informação. Eu trabalhava na casa deles. A minha mãe também ia quando a família ia para Tamandaré. A gente se revezava em cuidar da casa e das crianças", declarou. A Promotoria de Justiça de Tamandaré instaurou um inquérito civil com a finalidade de apurar possível prática de improbidade administrativa do prefeito Sérgio Hacker no caso da nomeação de Mirtes. O Ministério Público constatou, por meio do portal da transparência do município, que a mãe do garoto estava lotada no setor de manutenção de atividades de administração. A remuneração do cargo é de um salário mínimo. A Promotoria de Justiça de Tamandaré expediu ofício requisitando à chefia de gabinete da prefeitura para que informe, no prazo de três dias úteis, dados funcionais sobre a servidora, como cargo, função, método de controle de ponto, local de lotação, dentre outros. A Prefeitura de Tamandaré declarou que só vai falar sobre o assunto na próxima semana. Em nota, afirmou que o prefeito Sérgio Hacker se encontra profundamente abalado e que, no momento próprio e de forma oficial, prestará informações aos órgãos competentes. No fim da tarde, o PSB comunicou em nota que o partido defende a apuração do caso pelos órgãos de controle e que qualquer ato ilícito seja punido. Mirtes trabalhava na casa da suspeita e levou o filho, Miguel, ao local de trabalho por não tinha com quem deixá-lo. Escolas e creches estão fechadas devido à pandemia do novo coronavírus, e a mulher continuava trabalhando para o casal apesar da alta incidência da doença em Recife. O próprio Hacker anunciou em abril que estava infectado pelo novo coronavírus. De acordo com as investigações da polícia, Mirtes havia descido para levar a cadela da família para passear e deixado o filho sob os cuidados da patroa. Depois disso, a criança saiu do apartamento e tomou o elevador desacompanhada. Os policiais analisaram imagens do circuito interno do condomínio e verificaram que a proprietária do apartamento permitiu que a criança de cinco anos entrasse sozinha no elevador. O delegado Ramon Teixeira, que preside o inquérito, afirmou que o menino primeiro tentou sair do apartamento, e a mulher o repreendeu. Em nova tentativa, relatou o delegado, a criança retornou ao elevador e nada foi feito para impedir. Os investigadores afirmam que as imagens de circuito interno mostram a mulher observando o menino entrar no elevador no 5º andar e registram o momento em que ela apertou o botão para a cobertura. Ainda segundo o vídeo, na presença de Côrte Real, Miguel acionou os botões do 7º e do 9º andar. A porta do elevador então se fecha e ele sobe desacompanhado, primeiro até o 7º andar, sem desembarcar, e depois até o 9º andar. Após deixar o elevador, Miguel subiu em uma caixa em que havia condensadores de aparelhos de ar-condicionado. Em seguida, de maneira acidental, segundo as investigações, ocorreu a queda, porque o local não estava devidamente protegido. O garoto caiu de uma altura de 35 metros. Os investigadores afirmam que, naquele momento, o menino gritava pela mãe, que passeava com o cadela na avenida em frente ao edifício. Ao retornar ao prédio, alertada pelo porteiro, Mirtes encontrou o filho estirado no chão, gravemente ferido. "A responsabilidade legal naquela circunstância era da moradora. A criança permaneceu e estava sob a sua responsabilidade", disse o delegado. "Ela tinha o poder e o dever de cuidar da criança e impedir, em última análise, o trágico resultado que adveio de uma tragédia."
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