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Funeral de poderosos na civilização moche teria enforcamento de parentes em ritual

Por Folha de São Paulo

30/12/2024 10h00 — em
Variedades



SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) - Análises de DNA de pessoas sepultadas há 1.500 anos num templo do Peru revelam um estranho padrão nos sacrifícios humanos praticados pela civilização moche. De acordo com os dados genômicos, o funeral de indivíduos poderosos pode ter sido acompanhado do enforcamento ritual de jovens que eram seus parentes próximos.

No enterro mais suntuoso identificado pelos arqueólogos, a mulher conhecida como Senhora de Cao foi acompanhada ao Além pelo sacrifício de uma provável sobrinha. Já um adulto do sexo masculino foi enterrado junto com um menino enforcado que parece ter sido seu filho.

Embora rituais com sacrifícios de pessoas fossem realizados por diversas civilizações da América do Sul antes da chegada dos europeus, os novos dados são os primeiros a mostrar uma relação tão próxima entre membros da antiga nobreza indígena e os indivíduos sacrificados.

Detalhes sobre a análise genômica acabam de sair no periódico especializado PNAS. O estudo sobre os sepultamentos foi coordenado por John Krigbaum, da Universidade da Flórida em Gainesville, e Lars Fehren-Schmitz, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, e assinado também por colegas de outras instituições do Peru, da Argentina e dos EUA.

A equipe estudou a chamada Huaca Cao Viejo, uma estrutura cerimonial que lembra uma pirâmide. A "huaca", que fica na costa do Peru, perto da atual cidade de Trujillo, media cerca de 30 m de altura. Foi construída com adobe (tijolos de barro que secaram ao sol) e estava ricamente decorada com pinturas. O estilo das construções e ornamentos se assemelha ao de outros monumentos da chamada cultura Moche, que dominou nove vales da costa norte peruana entre os anos 300 d.C. e 950 d.C. do nosso calendário.

As quatro tumbas da Huaca Cao Viejo foram descobertas em 2005. Os ocupantes principais de três delas eram adultos do sexo masculino e estavam acompanhados de quantidades variáveis de tecidos, esteiras e adornos de metal, indicando status elevado.

Mas nenhum se comparava ao sepultamento da Senhora de Cao, em que havia coroas e adornos de nariz de ouro e armas cerimoniais, sugerindo que ela tinha a posição social mais alta entre todos os indivíduos enterrados ali.

Ao lado da defunta havia outro corpo, o de uma jovem com idade estimada entre 13 e 15 anos, com uma corda em volta do pescoço. Um indivíduo do sexo masculino, de idade equivalente e também com uma corda no pescoço, foi encontrado aos pés de um dos homens adultos. Em ambos os casos, tudo indica que eles foram sacrificados em honra aos nobres mais velhos.

Os dados de DNA indicam que todos os indivíduos enterrados ali tinham parentesco próximo entre si. Talvez não por acaso, as duas pessoas que receberam sacrifícios humanos e tinham os sepultamentos mais ricos parecem ter sido irmãos (no caso, a Senhora de Cao e um dos homens adultos). Os outros dois homens parecem ter sido, respectivamente, outro irmão dos dois (esse é o caso mais incerto, por causa do pouco DNA obtido) e o avô de todos os adultos.

A principal surpresa veio, no entanto, dos adolescentes sacrificados. Um deles, ao que tudo indica, era filho do homem de status elevado. Já a menina tem parentesco dito "de segundo grau" com a Senhora de Cao, o que significa que poderia ser sobrinha ou neta dela.

Como a mulher adulta morreu com no máximo 30 anos de idade, os arqueólogos consideram mais plausível que se trate de uma sobrinha. Outro dado intrigante é o fato de que a menina, a julgar pela composição química dos ossos, não cresceu na costa peruana, como os demais defuntos ali, mas sim em regiões montanhosas do país.

É claro que é muito mais difícil interpretar o significado de todas essas informações. Será que o rapaz e a menina estavam destinados ao sacrifício justamente por causa de seu "sangue real"?

Ou é mais plausível imaginar que eles só tiveram esse destino porque outros de seus parentes (talvez suas mães?) envolveram-se em intrigas políticas e foram punidos com a morte dos garotos? Coisas assim costumavam acontecer em sociedades como Roma e a China imperiais, mas, na ausência de registros escritos, qualquer cenário não passa de especulação.


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