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Gestão Nunes ignora pendências e renova contrato bilionário com coletoras de lixo

Por Folha de São Paulo

17/07/2024 14h45 — em
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Prefeitura de São Paulo renovou pelos próximos 20 anos, de forma automática, os dois contratos bilionários do serviço de coleta de lixo mesmo com as empresas, contratadas desde 2004, não tendo cumprido alguns termos.

As empresas Ecourbis Ambiental e Loga dividem a concessão do serviço de coleta de lixo -o acordo atual irá acabar em outubro deste ano. Em 2023, foram recolhidos 3,4 milhões de toneladas de resíduos domiciliares na capital.

Para seguir operando o sistema até outubro de 2044, a Ecourbis receberá R$ 40 bilhões para atender as zonas leste e sul, e a Loga, por R$ 38 bilhões, continuará responsável pelo setor noroeste -regiões oeste, norte e centro da capital.

A prorrogação do vínculo ocorreu sem a realização de uma nova licitação. A renovação estava prevista no vínculo assinado em 2004 e contou com o aval do TCM (Tribunal de Contas do Município) numa sessão em maio deste ano.

As duas companhias são consórcios formados exatamente para atuar no serviço de lixo paulistano. A Loga é formada por três empresas diferentes, sendo que a Revita Engenharia, com 62% das ações, é a controladora. Já a Ecourbis é composta pela Vital Engenharia Ambiental, com 63% de participações, Marquise Ambiental, Stone Participações e a S.A. Paulista.

A legislação municipal que disciplina o sistema de limpeza urbana, sancionada em 2002, prevê o prazo de concessão por 20 anos, com possibilidade de prorrogação por igual período.

De acordo com Álvaro Martim Guedes, professor de administração pública da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a operação do serviço é onerosa e complexa, o que impõe dificuldades para o poder público promover licitação e contratar novas empresas.

"O processo da coleta parece algo simples, mas envolve uma frota numerosa, logística e toda uma engenharia de horários, ainda mais em uma cidade com a malha viária de São Paulo", afirma Guedes. "Cada caminhão de lixo custa a partir de R$ 1 milhão, a empresa [habilitada para este serviço] tem que possuir patrimônio milionário."

Segundo a Jucesp (Junta Comercial de São Paulo), o capital social da Ecourbis é de R$ 139,4 milhões e o da Loga, R$ 60,5 milhões.

A Ecourbis, com 3.500 funcionários, outros 500 terceirizados, e faturamento de R$ 1,2 bilhão neste ano, diz ter investido mais de R$ 1,9 bilhão ao longo do contrato. Já a Loga conta com 2.650 colaboradores e investiu R$ 940 milhões desde 2004.

A Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), contratada pela prefeitura para analisar as possibilidades jurídicas e técnicas do negócio, aponta como uma das vantagens a agilidade na implementação da prorrogação e a "eliminação de risco de licitação deserta" -referência quando a licitação não atrai nenhum ou poucos fornecedores.

No entanto, a própria Fipe destacou, em sua avaliação, que a Ecourbis não construiu a usina de compostagem, destinada para o tratamento de resíduos orgânicos e prevista no contrato inicial.

A empresa disse em nota à reportagem que esta tecnologia foi considerada obsoleta e que a prefeitura "previu na prorrogação a implantação de novos sistemas de tratamento biológico para os resíduos domiciliares de origem orgânica, alinhados com as novas legislações ambientais".

Já a Loga não entregou, desde o contrato firmado em 2004, o aterro sanitário. A empresa diz que analisou áreas para construção, porém esbarrou na falta de licenciamento. "Por isso, a destinação dos resíduos passou a ser realizada em aterro privado, devidamente licenciado", afirma a Loga.

Em 2021, o Tribunal de Contas apontou um possível conflito de interesses no uso de aterros de terceiro por parte da Loga. "Isto porque a Logística Ambiental de São Paulo S.A. (Loga) e a empresa Essencis Soluções Ambientais S.A, proprietária do aterro utilizado na terceirização, são controladas pela Solvi Participações S.A, que detém 62,35% da Loga e 100% da Essencis", afirmou o relatório do TCM.

A Loga refuta a possibilidade de conflito de interesse e diz que, antes da locação do aterro sanitário em Caieiras, "foram analisados critérios técnicos, logísticos capacidade de recebimento de resíduos pelo prazo de 20 anos e preços de mercado, com ampla transparência".

Sobre a ausência do aterro da Loga, a SPRegula, responsável pela fiscalização dos contratos de concessão na gestão Nunes, afirmou apenas que os efeitos "foram incluídos no procedimento de reequilíbrio contratual concluído em dezembro de 2023, com resultado financeiro favorável à prefeitura a ser pago pela concessionária".

Apenas a Ecourbis construiu um aterro sanitário, na região leste da cidade. "O empreendimento recebe diariamente quase 7.000 toneladas, em média, de resíduos domiciliares", diz a empresa.

O TCM exigiu que constasse no novo acordo a implementação de, pelo menos, três ecoparques com capacidade de produzir energia a partir dos rejeitos e a modernização de triagem para acelerar o processo de reciclagem.

Entre outras obrigações, o órgão impôs a fiscalização dos serviços feita por um colegiado de técnicos e que as empresas apresentem um cronograma detalhado com as metas de reciclagem.

Em 2022, o conselheiro do TCM João Antônio encaminhou um alerta à prefeitura dizendo que a renovação é temerária e "em razão do histórico de descumprimentos de contrapartidas por parte das concessionárias e da baixa qualidade dos serviços prestados, conforme constatado pela auditoria desta corte de contas".

A auditoria do órgão destacou, por exemplo, a falta do aterro sanitário na região noroeste, previsto no contrato com a Loga.

Em nota, a empresa destacou que, com a renovação, "a coleta seletiva de porta em porta que, hoje, abrange 76% do município, será ampliada no primeiro ano para 100%", além de garantir que o ecoparque terá uma central mecanizada para separar os materiais recicláveis que são descartados junto com resíduos orgânico.

A prefeitura alega que o processo de estudo da prorrogação durou 27 meses e, além de contar com avaliação favorável do TCM, contratou a Fipe para analisar as vantagens para o município.

A renovação dos contratos já é um dos temas explorados pelos adversários de Nunes na eleição deste ano. A deputada Tabata Amaral (PSB), pré-candidata à prefeitura, ingressou com ação popular no Tribunal de Justiça em junho, pleiteando uma liminar para suspender os dois acordos. Ela alega a falta de transparência e da participação pública na renovação.

Ambientalistas consultados pela reportagem apontam receio pela lacuna de uma discussão técnica. Um dos pontos criticados é que, de acordo com o Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SINS), a taxa de recuperação de materiais recicláveis na capital é de 0,77%. A meta estabelecida pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos para todo o Sudeste do país é de 6,6%.

"A prorrogação não faz sentido sem passar por uma câmara técnica com participação ampla da sociedade, como conselhos de meio ambiente. As legislações e as diretrizes das cidades vão mudando, e é preciso verificar se está contemplada, por exemplo, a coleta seletiva em 100% da cidade", diz Jessica Pertile, especialista em gestão ambiental e metodologias lixo zero.

"Estamos em um atraso brutal com a coleta seletiva. O poder público não demonstra interesse na redução do volume de resíduos, mas vê o serviço como um negócio", afirma Pedro Roberto Jacobi, professor titular do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo).


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