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Indígenas abandonam conciliação do marco temporal no STF, e corte decide manter mesa

Por Folha de São Paulo

28/08/2024 19h00 — em
Variedades



BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O movimento indígena se retirou da mesa de conciliação sobre o marco temporal do Supremo Tribunal Federal (STF) criada pelo ministro Gilmar Mendes, e criticou o processo.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, os indígenas decidiram oficializar sua saída da mesa durante a segunda sessão da conciliação, nesta quarta-feira (28).

O movimento aponta inconstitucionalidade e discriminação nas conversas, e diz que não há igualdade entre as partes ou transparência -as reuniões, por exemplo, não são transmitidas pelos canais oficial da corte.

Durante o encontro, integrantes do Supremo, de partidos políticos e do governo pediram para que o movimento reconsiderasse a decisão, o que não aconteceu.

O movimento indígena defende que a negociação não teria como prosseguir sem que uma das partes esteja presente. Mas o STF decidiu que vai seguir com a mesa, mesmo diante da retirada.

Segundo os membros da corte, a orientação do ministro Gilmar Mendes é no sentido de que os representantes indígenas que deixaram a negociação sejam substituídos por outros.

Na sessão, houve pedidos para que a reunião fosse suspensa para tentar solucionar este impasse, mas novamente a decisão dos juízes que comandam a conversa foi de seguir com a negociação.

O movimento de abandono da mesa foi liderado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, maior organização dos povos no país e que aglutina diversas outras associações). A entidade integra processos que estão atrelados ao processo de conciliação.

Durante a sessão desta quarta, foi lida uma carta da Apib anunciando a saída e, na sequência, os representantes deixaram a sala.

O movimento pedia, por exemplo, que a lei do marco temporal fosse suspensa até que fosse tomada uma decisão. Dizem que direitos fundamentais, como o dos indígenas, não devem ser passíveis de negociação.

Também que prevalecessem entendimentos anteriores do STF de 2023, contra o marco. Também reclama que o procedimento adotado seria que, na falta de consenso, a conciliação seria decidia por votação -e os indígenas ocupavam apenas seis das 23 cadeiras da mesa.

"Diante de condições inaceitáveis -e até humilhantes- impostas aos povos indígenas na audiência de conciliação, o juiz conciliador disse que uma saída dos povos indígenas [da mesa] os tornaria responsáveis pela 'espiral de conflitos'. Isso é de uma violência atroz", diz a carta.

"É inadmissível que os povos do Brasil que tem a maior contribuição para a conservação das florestas, dos biomas, da biodiversidade e que são aqueles que mais tem capacidade de fazer frente à emergência climática e ao desenvolvimento sustentável do país sejam submetidos a um processo de conciliação fora da lei, com esse nível de pressão, chantagem e preconceito", completa a declaração de retirada.

A sessão desta quarta seguiu sem a presença do grupo, mas cancelou sua parte deliberativa, em razão dessa ausência.

Qualquer decisão que seja tomada pelo grupo, ainda terá que ser referendada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Inclusive membros do governo Lula (PT) pediram para que os indígenas se mantivessem na mesa. O advogado geral da União, Jorge Messias, afirmou que não seria possível se esperar resolver um conflito de décadas em algumas reuniões.

"Fica meu apelo a todos os representantes das lideranças indígenas, para que vocês fiquem conosco na reunião desta tarde", disse.

"As entidades serão substituídas caso abandonem a mesa de negociação. Ninguém é insubstituível", afirmou o juiz auxiliar Diego Veras, que trabalha no gabinete de Gilmar Mendes e comanda a mesa de conciliação.

O movimento indígena afirma que se manifestará pelos autos do processo, e que não descarta questionar a própria mesa.

"Com muita surpresa foi dito que ninguém é insubstituível, que eles podem colocar outros indígenas ali. Dentro do procedimento formal do direito não tem como você trocar a parte para conciliar o seu direito, [se] saiu uma parte, suspende os trabalhos", afirmou, após a reunião, o coordenador jurídico da Apib, Mauricio Terena.

Defendido por ruralistas, omarco temporal é a tese segundo a qual devem ser demarcadas como terras indígenas apenas aquelas ocupadas pelos povos na data da promulgação da Constituição de 1988. Juristas e ativistas ligados ao tema discordam e alegam que, segundo a Carta Magna, o direito indígena à terra é originário e, portanto, anterior ao próprio Estado brasileiro.

Dessa forma, a demarcação deve partir de estudos antropológicos que determinem a área de direito para cada povo, a partir de seus costumes e histórico de ocupação. Assim, qualquer marco temporal seria inconstitucional.

O agronegócio afirma, por sua vez, que estabelecer o marco temporal traria segurança jurídica às terras. Em 2023, o próprio Supremo julgou a tese e a derrubou.

Em resposta, a bancada ruralista conseguiu aprovar no Congresso Nacional um projeto de lei que instituiu o marco temporal, além de abrir brecha para a flexibilização da proteção aos povos e a exploração de seus recursos naturais.

O governo Lula chegou a vetar o projeto, mas os vetos foram quase todos derrubados pelo Congresso, novamente sob liderança da bancada.

A partir daí, uma série de ações foram apresentadas ao STF tanto para validar como para derrubar a lei.

O ministro Gilmar Mendes, então, aglutinou alguns desses processos e determinou a abertura da mesa de conciliação. Essa decisão passou a ser criticada pelo movimento indígena, que não via como possível uma conciliação acerca do que eles consideram como inconstitucional.


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