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Mercado global favorece soluções climáticas e Trump traz turbulência, diz 'champion' da COP30

Por Folha de São Paulo

15/04/2025 9h45 — em
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Campeão climático da COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), Dan Ioschpe afirma que mercados globalizados ajudam na busca de soluções ambientais diante da desestabilização causada pela volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos.

O empresário gaúcho ressalta que o desenvolvimento econômico depende de ações climáticas e que o desafio é identificar as ações mais eficientes dentre uma gama de possibilidades.

"O multilateralismo, ou seja, a ênfase na solução dos problemas sob um ponto de vista global, é muito útil e favorece o avanço de questões como o clima. Agora, nós podemos contar com um mundo estável em termos geopolíticos? Não", disse à reportagem.

"Temos que ter um certo realismo, entender que o desenho geopolítico é dinâmico e temos que conviver com isso e tocar essa agenda. O Brasil é um país que tem uma tradição e sabe navegar nessas situações, quando a maré está contrária, turbulenta", afirma ele, ao ser questionado se a postura de Trump ameaça negociações ambientais.

Desde que voltou ao poder, Trump impôs uma agenda anticlimática nos EUA, com incentivos a combustíveis fósseis e cortes a projetos ambientais. A consequência dessa movimentação é o esvaziamento de iniciativas como a aliança de bancos pelo clima.

Ioschpe, um dos vice-presidentes da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), prevê que o momento trará à tona novos agentes não governamentais. Seu desafio, diz, é incluir todos na mesa.

"Quando as pessoas se aprofundam nessa questão, elas concluem em favor da ciência: que a falta de ação climática nos levará a um retrocesso grande no desenvolvimento socioeconômico", completa.

Ele foi escolhido pelo presidente Lula (PT) para trabalhar com o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, e com a diretora-executiva da conferência, Ana Toni.

O cargo de campeão climático de alto nível (também chamado de "champion") tem como objetivo fazer a interlocução entre países e a esfera não governamental.

Ioschpe é presidente do conselho de administração da Iochpe-Maxion e integra os conselhos de administração de empresas como WEG, Marcopolo e Embraer.

A chegada dele ao posto ocorre em um momento em que a descarbonização tem como um de seus maiores obstáculos a exploração de combustíveis fósseis —fonte de 80% dos gases de efeito estufa do mundo.

Com experiência no setor automotivo, Ioschpe vê o distanciamento dos combustíveis fósseis como uma "necessidade" e cita como bons exemplos deste caminho os carros elétricos ou o SAF (sigla em inglês para combustível de aviação mais sustentável).

Por outro lado, afirma que não lhe cabe debater políticas públicas —internamente, o Brasil vive este dilema no debate sobre a perfuração (ou não) na Foz do Amazonas.

A COP30 também tem como um de seus principais desafios evitar que, mais uma vez, a falta de comprometimento com o financiamento das soluções climáticas empaque as negociações.

O tema foi o maior entrave do último evento, em Baku, no Azerbaijão, quando os países acordaram uma nova meta global de US$ 300 bilhões em recursos com esta finalidade —resultado aquém do US$ 1,3 trilhão que seria necessário para a transição energética nos países em desenvolvimento.

O Brasil então herdou a missão de desenhar um caminho para que o mundo consiga destravar este financiamento.

Ioschpe vê com bons olhos o TFFF, sigla em inglês para Fundo Florestas Tropicais para Sempre, ideia encampada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que o governo brasileiro pretende ver implementada até a COP30.

O TFFF ainda está em elaboração, mas, em linhas gerais funcionaria, como um fundo comum, onde se alocam recursos para receber rendimentos no futuro. A diferença é que o mecanismo usa parte deste dinheiro para financiar projetos voltados à conservação de florestas.

"A gente precisa de muitos instrumentos, mas esse tipo de solução, feita sob medida para um tema, é muito legal", diz.

Outra possível solução para o financiamento climático é o mercado de carbono que, no entanto, caminha mais devagar.

Poucos países têm leis próprias para isso (o Brasil atualmente trabalha em sua regulamentação), e o mundo está distante de um consenso para implementação de um mercado internacional de transações destes créditos.

"Um mercado, quanto mais global, mais favorece o seu uso e o viabiliza", diz. "Então quanto mais restrito esse mercado for geograficamente, pior".

A COP30 acontecerá em Belém em novembro deste ano sob desafios logísticos e diante da iminente saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris —conjunto de metas de descarbonização consensuadas entre as nações signatárias.

Com as negociações da ONU cada vez mais difíceis, o Brasil aposta na inclusão do debate ambiental em cúpulas econômicas, como o G20 e o Brics, para destravar o tema.

Ioschpe defende que é necessário "bater o bumbo" para as metas do Acordo de Paris, mas que "no tema do financiamento, temos que ser mais criativos, envolver mais pessoas, entidades, sistemas".

Dentre o enorme estoque de soluções, ele avalia que, além de buscar novas alternativas, é necessário encontrar as mais eficientes, ou "fazer mais com menos". "Você tem uma situação em que essa luta se torna um pouco mais árdua, e é fundamental que você coloque algumas prioridades. Se elas forem efetivas, essa virtuosidade vai destravar mais recursos em seguida", diz.

"Encontrar uma 'bala de prata' para a questão financeira é difícil. Na falta de uma bala de prata, precisamos de uma somatória de soluções, sem dependência numa estratégia única", diz.


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