Misteriosa espécie de humanos arcaicos também viveu em Taiwan
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SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Os denisovanos, membros da uma misteriosa espécie de humanos arcaicos que se reproduziu com o Homo sapiens, também viveram na ilha tropical de Taiwan, no oceano Pacífico. Ou seja, a milhares de quilômetros da caverna siberiana onde seus fósseis foram achados pela primeira vez.

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A descoberta pode ajudar a entender por que o DNA denisovano está presente numa gama tão ampla de povos atuais da Ásia e da Oceania. Detalhes da análise, que se baseou na combinação de dados de anatomia e de biologia molecular, estão descritos na edição mais recente da revista especializada Science.
Até agora, paradoxalmente, os denisovanos são mais conhecidos por seu material genético do que por fósseis fossilizados, ao contrário do que costuma acontecer com as espécies extintas. Isso porque os restos ósseos deles em geral correspondem a pequenos pedaços de sua anatomia, como dentes, fragmentos de dedos ou das mandíbulas e maxilares.
Essa escrita não foi quebrada no caso do novo estudo, conduzido por cientistas europeus, taiwaneses e japoneses. Eles trabalharam com a chamada mandíbula Penghu 1, encontrada, curiosamente, a 25 km de Taiwan, por barcos pesqueiros que "raspam" o leito marinho a profundidades de até 120 metros.
A prática é muito destrutiva para a fauna marinha, mas, nesse caso, conseguiu trazer para a superfície ossos de animais que viveram na região durante a Era do Gelo. Nessa época, o nível do mar era muito mais baixo que o atual, o que significa que provavelmente a área de onde veio o osso era terra firme.
Não foi possível extrair DNA da mandíbula. No entanto, os pesquisadores conseguiram usar técnicas de laboratório para extrair fragmentos de 51 proteínas diferentes que compunham os ossos do humano arcaico. E esses dados, por sua vez, podem ser correlacionados com o DNA dos diferentes membros do grupo dos seres humanos. Isso porque a "receita" usada pelas células para fabricar os componentes das proteínas está contida justamente na "biblioteca" do DNA de cada espécie.
Portanto, a análise dos componentes das proteínas no osso pode valer como um exame de DNA indireto, e foi por meio desse processo que os pesquisadores conseguiram determinar que se tratava, de fato, de um denisovano.
Aliás, "denisovano" mesmo, no masculino, porque uma das proteínas recuperadas, a amelogenina, tem formas diferentes a partir de receitas presentes nos cromossomos sexuais dos seres humanos, o X e o Y (mulheres costumam ter dois cromossomos X, homens, em geral, um X e um Y). A presença de componentes da amelogenina produzidas a partir das informações genéticas do cromossomo Y indicam que se tratava de um homem denisovano.
A presença da espécie em Taiwan expande um bocado o que se sabe sobre distribuição geográfica - antes, só tinham sido confirmados exemplares fósseis na Sibéria e no Tibete. Por outro lado, faz sentido imaginar uma expansão da espécie para regiões mais tropicais da orla do Pacífico, considerando a significativa presença de DNA denisovano, chegando perto dos 5% do total de material genética, em grupos como melanésios e aborígines australianos e filipinos.
Ainda assim, continua sendo relativamente difícil obter DNA de humanos arcaicos do leste da Ásia, ao menos em comparação com os das regiões mais a oeste da Eurásia, como os neandertais, o que dificulta reconstruir esses cenários.
"Em alguma medida, isso pode ter a ver com a preservação dos ossos, em termos de condições sedimentares", disse à Folha um dos coordenadores do estudo, Frido Welker, da Universidade de Copenhague.
"Muitos fósseis do leste da Eurásia também são um pouco mais antigos que os do oeste da Eurásia cujo DNA já foi extraído. Além disso, muitos espécimes ainda não passaram por testes para verificar a preservação do material genético."
Vários desses fósseis têm classificação enigmática ou, em alguns casos, foram atribuídos a novas espécies de humanos arcaicos, como o chamado Homo longi. "É possível que um ou vários deles acabam se revelando como denisovanos, ou mesmo todos -não é possível prever isso sem mais dados moleculares de outros fósseis", diz Welker.

ASSUNTOS: Variedades