Ouvidoria pede armas não letais para PM após morte de senegalês em SP
ouça este conteúdo
|
readme
|
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ouvidor das polícias de São Paulo, Mauro Caseri, defendeu o uso de mais armas não letais para operações da PM como a que levou à morte do vendedor ambulante senegalês Ngange Mbaye, 34, na última sexta-feira (11). Para o ouvidor, a morte poderia ter sido evitada facilmente com equipamentos adequados.
Caseri acompanhou um protesto de senegaleses e de movimentos sociais nesta segunda-feira (14) contra a morte de Ngange. Cerca de cem pessoas fizeram uma passeata pelas ruas do centro da capital, cantando em uníssono "queremos justiça".
Ngange foi morto com um tiro de pistola ao reagir a uma abordagem de policiais militares, que tentavam apreender um carrinho de mercadorias numa operação de fiscalização contra o comércio ilegal no Brás, no centro de São Paulo. Um vídeo do caso mostra que, após ser atingido com golpes de cassetete, Ngange partiu para cima dos agentes com um barra de ferro quando foi atingido pelo disparo.
"Vendo as imagens, podemos concluir que uma situação como aquela não precisava ter o desfecho com morte se o policial estivesse com uma taser [pistola de choque elétrico] ou um spray de pimenta", disse o ouvidor, no meio da manifestação. "[A PM] poderia ter contido aquela situação sem o uso da arma de fogo."
O vídeo também mostra que, após ser atingido, Ngange correu e caiu na calçada, a alguns metros da distância do local onde foi atingido.
A reportagem recebeu relatos de que o senegalês teria ficado caído na calçada sem socorro e que a ambulância que o levou à Santa Casa de Misericórdia demorou a chegar. Outra gravação mostra PMs formando um cordão humano ao redor do corpo enquanto pessoas protestavam contra a ação da polícia.
A Ouvidoria pediu à Polícia Militar imagens das câmeras corporais, detalhes do inquérito que investiga a morte e informações sobre a operação. Um dos questionamentos é se os policiais portavam armas não letais e, se portavam, por que não foram usadas.
Caseri afirmou que, por enquanto, a Ouvidoria analisa o caso apenas com base em vídeos da ocorrência e que não recebeu nenhuma denúncia formal de omissão de socorro. Ele também não descartou essa possibilidade.
Ngange foi descrito por amigos e parentes como um homem religioso e trabalhador. Ele tinha uma filha de quatro anos que mora noSenegal e vários parentes que dependiam de sua renda de camelô para viver na África. Sua mãe está doente e seu pai está aposentado, segundo duas pessoas que o conheciam.
Ele havia acabado de sair de uma mesquita, onde havia rezado, e estava almoçando na calçada quando começou a operação no Brás.
"Ele tinha o sonho de trazer a família toda para o Brasil. Esse sonho foi ceifado pela Polícia Militar de São Paulo", disse o professor Mamour Sop Ndiaye, 49, que se apresentou como um parente distante da vítima. "Não queremos confrontar o governador do estado, o prefeito ou a polícia. A única coisa que nós queremos é paz, que é a coisa mais valiosa que nós temos. Senegaleses são um povo com cultura de paz."
Segundo o cônsul honorário do Senegal em São Paulo, Babacar Bá, o corpo de Ngange passou por necropsia e foi liberado nesta segunda. Bá afirmou que o governo senegalês deve arcar com as despesas do transporte. Ele e Ndiaye também afirmaram que a comunidade senegalesa levantou fundos para arcar com custos do velório e do translado.
A manifestação contra a morte de Ngange ocorreu de forma pacífica nas ruas do centro. A passeata começou por volta das 15h40 na avenida Ipiranga, ao lado da praça da República.
O ouvidor das polícias mediou o diálogo entre manifestantes e a PM para combinar um trajeto até a sede da prefeitura paulistana que, por sugestão de um comandante da PM, atrapalhasse o trânsito o mínimo possível. A sugestão foi acatada, e a passeata seguiu pelo calçadão da rua Barão de Itapetininga e pelo viaduto do Chá.
O cônsul honorário, Ndiaye e representantes da comunidade senegalesa em São Paulo foram recebidos pelo vice-prefeito, coronel Ricardo Mello (PL), ao fim da passeata. Caseri e a vereadora Luana Alves (PSOL), que haviam sido convidados por manifestantes a participar da reunião, não foram recebidos pelo vice-prefeito.
Ao fim da audiência, uma nova reunião foi marcada para esta terça (15) com a intenção de discutir legalização dos trabalhadores ambulantes do Brás. "A reunião foi muito boa porque o vice-prefeito se colocou à disposição para ajudar a achar, junto com a comunidade senegalesa e os imigrantes que estão trabalhando no Brás, soluções duradouras para que isso [morte de camelô] nunca mais aconteça" disse Bá.
"Nós todos concordamos que os senegaleses têm de parar de morrer, e a polícia tem de parar de atirar nas pessoas", disse Ndiaye. "Ao mesmo tempo, somos conscientes de que o Brasil tem leis, e temos todos que tentar nos adequar."
Enquanto a reunião ocorria no quinto andar da prefeitura, manifestantes senegaleses demonstravam-se descrentes de qualquer relação amistosa com a polícia. Além disso, relatavam sentir-se alvo de racismo sistemático no Brasil.
Manifestantes diziam frases como "Brasil não acolhe africano, é uma farsa" e "cheguei aqui ouvindo que os africanos construíram o Brasil, mas somos maltratados". Dezenas de celulares filmavam o protesto.

ASSUNTOS: Variedades