Pesquisadores alertam para impactos ambientais negativos de parques eólicos
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 2023, o Brasil foi pelo segundo ano consecutivo o terceiro país que mais instalou estruturas eólicas no mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos. O que seria motivo para celebrar, porém, vem sendo também um fator de preocupação para muitos pesquisadores nacionais.
Segundo estes estudiosos, a instalação das turbinas tem acompanhado diversos tipos de danos ambientais em estados do Nordeste, região que representa 92% da fonte eólica no país.
Professora do departamento de Geografia e coordenadora do Laboratório de Geoprocessamento e Cartografia Social (Labocart) da Universidade Federal do Ceará, a pesquisadora Adryane Gorayeb defende que os parques eólicos estão causando alterações significativas na paisagem e na vegetação de regiões litorâneas do Ceará, o quinto estado que mais produz energia eólica no país.
Ela realizou estudos de campo em lugares como a praia de Xavier, em Camocim, e também em comunidades como a do Cumbe, em Aracati.
"Notamos um impacto na alteração de fluxo de sedimentos, o que ocasionou em mudanças morfodinâmicas das praias e das dunas, e também nos lençóis freáticos, chegando até mesmo a extinguir lagoas perenes que eram usadas na agricultura, pesca e lazer", diz Gorayeb.
Segundo a pesquisadora, quando barreiras artificiais impedem o movimento das areias, como acontece com a instalação de torres eólicas, a alteração do fluxo pode criar áreas rebaixadas ou elevadas e intensificar processos erosivos. As consequências disso, notadas em suas pesquisas na costa cearense, são a redução de vegetação e o aumento da temperatura local, além da modificação dos habitat de animais e da flora, causando prejuízo à biodiversidade.
Fenômenos parecidos ocorrem em várias outras localidades vizinhas. Enrico Bernard, professor Associado ao Departamento de Zoologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) em Recife, onde coordena o Laboratório de Ciência Aplicada à Conservação da Biodiversidade, alerta sobre as mudanças significativas no comportamento dos animais ao redor dos parques.
As principais vítimas, afirma, são morcegos, aves (principalmente de rapina) e insetos, que colidem com as turbinas de alta velocidade. Estima-se, com base em um estudo de sua orientanda de doutorado Marília Abero Sá de Barros, que um parque com mil turbinas possa gerar mais de 4.000 mortes de morcegos ao ano.
A probabilidade maior de colisão, no entanto, não é o único fator que altera a vida animal em torno dos parques. No ano passado, o Rio Grande do Norte recebeu, de acordo com a Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), 58 novos empreendimentos em 2023, maior índice do país.
A potência de geração de energia eólica no estado se tornou tanta que Bernard, ao viajar para lá em janeiro deste ano, se impressionou com o barulho que ressoava dentro das cavernas.
"A sensação era que eu estava num pátio de manobras de aviões", diz. "Para a fauna, essa poluição sonora influencia na percepção do ambiente, na maneira de se comunicar com o outro e até no modo de achar as presas."
Segundo Bernard, além do barulho das turbinas, as sombras projetadas pelas hélices afugentam e estressam muitos animais da região. "Você pode matar um animal sem lugar de forrageio, de abrigo, mexendo nas condições de microclima e afetando a biodiversidade", diz.
Estudos dão conta que, além dos animais voadores, bichos terrestres também tiveram seus comportamentos alterados nos entornos de parques eólicos. Em artigo publicado no Biotropica, um periódico científico especializado em biologia tropical, pesquisadores brasileiros atestam que as onças-pintadas da Caatinga evitam áreas próximas dos parques eólicos devido ao ruído e aos microtremores.
MODOS DE MITIGAR OS DANOS
A energia eólica representa, de acordo com dados de 2023 da Abeeólica, 15,2% da matriz elétrica brasileira. No ranking global de capacidade eólica acumulada, o Brasil ocupa o sexto lugar. Perde apenas para China, Estados Unidos, Alemanha, Índia e Espanha.
Há um consenso entre os pesquisadores brasileiros de que a energia eólica é uma forma eficiente de geração de energia limpa e pode ser fundamental para auxiliar na queda de emissões de carbono no país. O problema, dizem, é onde e como a implementação está sendo feita.
"A energia eólica é necessária e desejada", diz Bernard. "Mas é preciso saber, em primeiro lugar, onde ela será implementada. Já sabemos que não se deve colocar parques eólicos em locais sensíveis, onde há alta biodiversidade, com rotas migratórias importantes para as aves, nem em regiões próximas às florestas."
Bernard acredita que é preciso "subir o sarrafo no licenciamento ambiental". A percepção dele é que muitos estados facilitam a entrada das empresas de energia eólica sem que haja um plano detalhado que considere os impactos na fauna e na biodiversidade.
Para Gorayeb, os órgãos de licenciamento deveriam exigir relatórios aprofundados sobre estudos ambientais, além de realizarem uma inspeção rigorosa de cada empreendimento. "É preciso haver uma análise aprofundada não só nos impactos ambientais, mas também sociais", afirma. "Tem de haver um compromisso das empresas em trazer impactos positivos nas comunidades".
Aldo Ometto, professor da EESC-USP (Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo), também acredita no papel fundamental de políticas públicas para que haja uma transição energética efetiva com menos danos possíveis.
"A transição é sociotecnica e ambiental", diz. "Ela envolve um alinhamento de outros atores, outras soluções e novas infraestruturas. Para que se mantenha sustentável, é preciso pensá-la como inovação sistêmica. Olhar apenas para a tecnologia, sem o contexto social, não dá conta da complexidade, não se sustenta."
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