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Por que Buenos Aires urbanizou favela no centro, diferente de São Paulo

Por Folha de São Paulo

24/03/2025 10h30 — em
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SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Em 2018, a cidade de Buenos Aires colocou em prática um plano para urbanizar sua favela mais antiga, a Villa 31, em um esforço para diminuir a desigualdade e exclusão social na ocupação, que fica espremida entre dois bairros ricos da capital. O projeto foi diferente do que é estudado nesta segunda-feira (24) pelo governo de São Paulo, que pretende remover milhares de famílias da Favela do Moinho, a última comunidade do centro.

O QUE ACONTECEU

Projeto deu status de bairro à favela de Buenos Aires, que passou a ser chamada de Padre Carlos Mugica. As ruas ganharam nome e milhares de moradores receberam títulos de propriedade. Cerca de mil famílias que moravam debaixo da rodovia Arturo Umberto Illia foram realocadas porque as construções antigas não recebiam luz nem ventilação natural e muitas não tinham banheiro.

Bairro também ganhou centro de profissionalização porque autoridades acreditavam que, sem capacidade econômica, a urbanização da Villa 31 fracassaria. A sede do CeDEL ocupou um imóvel que era usado como bunker do tráfico de drogas, segundo o governo. nesta segunda-feira (24), o espaço oferece treinamento, programas de orientação e colocação profissional com foco no trabalho registrado, além de aconselhamento para empreendedores.

Sede do Ministério da Educação foi transferida para o local. A mudança levou 2.150 funcionários públicos para Padre Mugica e movimentou a infraestrutura da região, que também ganhou comércios populares, como um McDonald's, escolas, agências bancárias e mais opções de transporte urbano. O governo também articulou com o setor privado para que os novos comércios contratassem moradores do bairro.

Governo de São Paulo também fala em levar mais pessoas para o centro, mas projeto prevê demolir quarteirões e remoção da favela em Campos Elíseos. Em fevereiro, o secretário de Projetos Estratégicos, Guilherme Afif Domingos, disse que tinha um "spoiler" para empresários da construção que o escutavam em uma palestra. "Vai acabar a Favela do Moinho sim. Ela não pode continuar, não tem condições sanitárias nem de segurança. Está entre os trilhos do trem, com uma entrada só". Segundo Afif, apenas traficantes têm interesse em manter a favela.

Plano do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) é usar área da Favela do Moinho para construir parque. A transformação em Campos Elíseos seria para valorizar a área, estimulando a especulação imobiliária, como disse o secretário Afif ao UOL. "Queremos tornar o centro atrativo para moradia, de todos os tipos de classes sociais, desde a de interesse social, a classe média e também a alta".

POR QUE BUENOS AIRES URBANIZOU FAVELA

A Villa 31 surgiu nos anos 1930 quando imigrantes europeus ergueram habitações precárias no terreno, aproveitando a proximidade com o porto de Buenos Aires. Eles chegaram à Argentina fugindo da fome e da Grande Depressão e buscavam oportunidades de trabalho na área portuária. A partir dos anos 1950, a favela também começou a ser ocupada por latinos, principalmente bolivianos, peruanos e paraguaios.

Ocupação foi quase erradicada nos anos de ditadura, entre 1976 e 1983. Naquele momento, a principal política pública era de enfrentamento da população, o que reduziu o número de habitantes nas favelas de Buenos Aires de cerca de 213 mil para apenas 12 mil pessoas. Com o fim da ditadura, a comunidade voltou a ser ocupada, chegando a 40 mil habitantes apenas na Villa 31, segundo um dado oficial do censo de 2010.

Em 2016, quando o plano começou a ser discutido, a gestão do prefeito Horacio Larreta considerou ser "impossível" remover as mais de 40 mil famílias que estavam no local. "Felizmente, em uma democracia é inviável pensar nisso. Ninguém quer realmente fazer isso. Portanto, vamos integrar esses habitantes. Eles terão a propriedade de suas casas, pagarão por elas com crédito. Vamos reformá-las para que os moradores vivam melhor e para que as pessoas de Buenos Aires venham aqui. A maioria dos portenhos jamais visitou este lugar que está a poucos metros de seus apartamentos", afirmou Larreta, aliado do ex-presidente Mauricio Macri.

Autoridades defendem que projeto integrou a vida da comunidade com a capital. "É como se Buenos Aires fosse uma casa grande e a Villa 31 um quarto fechado durante 85 anos. É uma enorme oportunidade", disse na época o secretário de Integração Social, Diego Fernández.

Projeto foi levado adiante apesar da resistência de alguns moradores e políticos de Buenos Aires, que pediam o fim da ocupação. Antes de ser implementado, o projeto foi discutido com vários grupos de moradores da favela. O plano de urbanização foi estimado em US$ 400 milhões e custeado com recursos do governo portenho, do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e do Banco Mundial.

Apenas uma linha de trem separa Padre Carlos Mugica do bairro Recoleta, o mais rico de Buenos Aires. Do outro lado, está Puerto Madero, conhecido pelos restaurantes caros e a vida noturna. Apesar da localização central, a comunidade ficou conhecida pelo intenso fluxo de usuários de droga, a condição precária de moradia —já que a maioria das pessoas não tinha acesso à rede de esgoto e encanamento de água —e os casos de violência. Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídio era 7,5 vezes mais alta na Villa 31 do que no centro.

Há menos diferenças entre o modo de vida entre as pessoas daqui e as da Recoleta do que entre as daqui e as de algumas favelas da periferia. Ali, sim, há uma marginalidade muito forte.Ex-prefeito Horacio Larreta

Rio de Janeiro também teve programa para urbanizar as favelas e integrá-las com o restante da cidade. Em 1994, a gestão municipal de César Maia (PSDB) anunciou o Favela-Bairro, que fez obras de infraestrutura, habitação e serviços sociais em mais de 150 comunidades, mas foi suspenso em 2008.


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