Sobre as jazidas de gás, 1.200 mulheres mantêm viva a cultura do babaçu
LAGO DO JUNCO, MA (FOLHAPRESS) - Nas mãos calejadas, a quebradeira de coco Joana Rodrigues Alves, a Nhanha, exibe, sorridente, o sabonete Babaçu Livre, feito ali mesmo, nas instalações modestas de uma cooperativa na comunidade Ludovico, no município de Lago do Junco (MA).
Fabricado com o óleo vegetal do babaçu e embalado artesanalmente pelas quebradeiras de coco, o sabonete que hoje percorre o mundo leva a mensagem para quem o compra: "proteja nossa floresta, defenda a sua pele".
O caminho para chegar às prateleiras de lojas e empresas conhecidas em grandes centros urbanos, como The Body Shop, tem se tornado cada vez mais difícil, em decorrência da exploração do gás.
A abertura de poços e a construção de gasodutos teve interferência direta na rotina difícil das quebradeiras desta região do Maranhão, cerca de 1.200 mulheres que retiram o sustento de casa com a colheita do fruto.
Os acessos aos poços de testes na região, segundo relatos dos moradores, ocorreram na época em que estes pertenciam à empresa OGX, de Eike Batista. A Eneva, que hoje detém a operação, nega qualquer interferência no modo de vida das quebradeiras.
Com a chegada dos projetos, houve derrubada de palmeiras, alteração de rotas usadas há décadas e fechamento de igarapés. É um tema que contraria Maria Alaídes Alves, nascida na comunidade Ludovico e hoje uma liderança na luta pelo respeito à tradição do trabalho das quebradeiras de coco.
"Nós somos resultado de um conhecimento tradicional. Eu aprendi com a minha mãe, que aprendeu com a minha avó. Criei sete filhos com a quebra do coco. Pra nós, quebradeiras, a palmeira do babaçu é a nossa mãe. O coco é o nosso ouro. A gente valoriza muito isso, porque não podemos desconhecer aquilo que foi o leite da gente, que sempre foi tudo", diz Maria Alaídes.
Sua filha, Áurea Alves, formou-se professora, mas também é quebradeira de coco na região que entrou na mira dos grandes empreendimentos do gás fóssil. "As quebradeiras tiveram que mudar o caminho onde costumavam andar pra pegar o babaçu. Hoje são obrigadas a fazer um percurso bem maior e cansativo, que dificulta a passagem dos animais que ajudam a carregar o coco", diz Áurea.
Com apenas 9.500 habitantes, Lago do Junco fica num enclave de exploração de gás, onde apenas 10% da população têm um emprego formal e somente 19% das ruas têm esgotamento sanitário, conforme os dados do IBGE. A renda feita com a extração do babaçu, portanto, é o eixo central do modo de vida.
"Essas empresas de gás chegaram aqui dizendo que iam entrar nas propriedades pra pesquisar gás, e que isso ia trazer emprego, progresso, novas estradas pro município", diz Áurea Alves.
"Nada disso veio. O que fica é um sentimento de impotência, de não conseguir interferir nessas decisões que vêm de cima para baixo. Dá revolta. Chegam e saem como querem, como se fosse uma terra de ninguém, sem nenhum respeito ao modo de vida da gente."
BABAÇU LIVRE
A luta das quebradeiras de coco em Lago do Junco não tem sido em vão. Em 1997 e em 2002, as mulheres da região conseguiram aprovar duas leis municipais para garantir o livre acesso às palmeiras e seus frutos, não importando onde estejam essas árvores.
Com a Lei Municipal de Babaçu Livre, elas passaram a ter garantia legal para buscar as amêndoas nos campos, estejam os babaçuais em áreas públicas ou dentro de fazendas.
A legislação foi uma forma de arrefecer a opressão sofrida pelas trabalhadoras, que muitas vezes eram alvos de cobranças indevidas, em dinheiro ou frutos, além de situações de violência e humilhação, na tentativa de chegar ao babaçual, árvore que se espalha naturalmente por toda a região.
Liderança do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, Maria Alaídes afirma que, hoje, há mais de 12 leis municipais do babaçu livre aprovadas no Maranhão, todas inspiradas pela campanha iniciada em Lago do Junco. Em 2004, foi aprovada uma lei estadual no Maranhão.
As estimativas apontam que há cerca de 400 mil quebradeiras de coco babaçu no país, a maioria concentrada no Maranhão, Piauí e Tocantins.
"Somos pessoas inspiradas pela necessidade. Por isso, brigamos pelo babaçu livre. Precisamos lutar pela liberdade para entrar nas terras e colher o fruto, esteja ele onde estiver", diz Maria Alaídes. "Hoje, essa luta também está sendo atravessada pela exploração do gás, mas vamos resistir. Já fizemos isso antes, seguiremos em frente."
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