Veja quais são os dados sobre coronavírus que governo vem retirando de divulgações
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Ministério da Saúde vem limitando as informações que divulga sobre a situação da Covid-19 no Brasil nas últimas semanas. Omissão do número de mortes e casos em determinadas publicações, diminuição de entrevistas concedidas pela pasta e mudanças no horário da atualização dos dados fazem parte da nova estratégia do governo.
Neste sábado (6), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmou as mudanças na forma como o Ministério da Saúde divulga os dados da pandemia. A pasta deixa de informar o número acumulado de casos e mortes, mantendo as mortes e casos registrados nas últimas 24 horas.
"Ao acumular dados, além de não indicar que a maior parcela já não está com a doença, não retratam o momento do país", diz a nota do ministério, reproduzida por Bolsonaro em rede social.
O último boletim diário publicado, na sexta-feira (5), já traz o novo modelo. Em comparação ao dia anterior, a quinta-feira (4), sumiram o total de casos confirmados, os casos em acompanhamento, o total de pessoas recuperadas da doença, o total de óbitos confirmados e as mortes sob investigação.
As mudanças aconteceram no dia em que o país registrou 1.005 novas mortes e oficialmente passou de 35 mil óbitos totais causados pela Covid-19. Hoje, o Brasil é o terceiro no mundo em número de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos (109 mil) e Reino Unido (40 mil), segundo dados da plataforma da Universidade Johns Hopkins (Estados Unidos) que monitora a pandemia.
Esses boletins passaram por mudanças nos últimos meses. Em abril, as quantidades de novas mortes e casos estavam acompanhadas das porcentagens que representavam no número total. Em maio, a informação deixou de ser publicada, e a quantidade de pessoas recuperadas da doença passou a ter um destaque maior.
Desde a quarta (3) a liberação dos dados pelo ministério é feita com atraso. Essa divulgação, normalmente feita por volta de 19h, aconteceu às 22h. Segundo a pasta, a mudança no horário servirá para evitar a subnotificação e inconsistências.
"Acabou matéria no Jornal Nacional", disse Bolsonaro na sexta (5) ao comentar a troca no horário da publicação das informações.
A TV Globo desde então passou a interromper a programação mais tarde para divulgar os dados ao vivo.
"Tem que saber quem perdeu a vida por causa da Covid ou com Covid. Às vezes a pessoa tem dez comorbidades, 94 anos, e pegou o vírus. Potencializa", disse ainda o presidente.
Outra importante fonte de informações sobre a pandemia para o público geral ficou completamente inacessível desde a noite da sexta (5) até a tarde deste sábado (6). O portal covid.saude.gov.br mostrava apenas a mensagem "portal em manutenção" durante o período em que ficou inativo. O site retornou sem exibir o número acumulado de casos e mortes.
Também foi eliminada a aba que exibia informações sobre as internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), que, na falta de testes para detectar a Covid-19, ajudam a entender o aumento de casos da doença.
Na página de internet, eram mostrados dados atualizados da pandemia no Brasil e gráficos que ilustravam a evolução da contaminação pelo novo coronavírus, além de dados consolidados por estados.
O aplicativo para telefones Coronavírus - SUS atualizou os números de infectados e mortos pela última vez na quinta (4). O acumulado de mortes e casos para o país aparece zerado para quem abre o aplicativo.
As entrevistas concedidas pelo Ministério da Saúde, muitas das quais eram transmitidas ao vivo pela TV, diminuíram desde a demissão de Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril. Durante elas, o ministério explicava melhor os números e as ações para combate à pandemia.
O ex-ministro Nelson Teich, que substituiu Mandetta, deixou de realizar as entrevistas diariamente. Na atual gestão, que tem o general do Exército Eduardo Pazuello como ministro interino, as entrevistas são concedidas por técnicos da pasta de segundo escalão.
O perfil dos mortos pela doença, que permite ver os grupos que são mais vulneráveis à Covid-19 e precisam de maior atenção, foi atualizado pelo ministério pela última vez há mais de uma semana, no dia 30 de maio.
Boletins epidemiológicos do ministério, publicações que atualizam os números da doença, dão um panorama das ações para combatê-la e orientações aos profissionais de saúde, deixaram se ser publicados semanalmente.
O documento, que também divulga mudanças nos procedimentos de manejo da Covid-19 e avanços de pesquisa, é publicado a cada semana por diversos países que enfrentam a pandemia.
Mas em maio os boletins epidemiológicos rarearam, e a última edição que veio a público fazia referência à semana entre os dias 17 e 23 de maio. Já são pelo menos duas semanas sem a publicação do documento.
Os dados também vêm desaparecendo dos perfis do governo nas redes sociais. No dia 18 de maio foi a última vez que o perfil do Ministério da Saúde no Twitter publicou uma atualização mais completa da situação da doença no país, com novos registros de mortes e casos da Covid-19, e os números acumulados desde o início da pandemia.
A partir daí, o ministério deixou de fazer as atualizações por conta própria na rede social, limitando-se a reproduzir uma publicação chamada Placar da Vida, feita pelo perfil da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). O placar, publicado pela última vez na quarta-feira (3), trazia apenas o número total de infectados, curados e pacientes em recuperação.
O número total de mortos pela doença sumiu das postagens nas redes sociais, que vinham acompanhadas da hashtag #NinguémFicaPraTrás. Desde a quarta (3), nenhum número atualizado da doença foi publicado nos perfis.
Em meio às mudanças na divulgação das informações, o empresário Carlos Wizard, que assumiu a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (ainda não nomeado oficialmente), colocou os dados enviados pelas secretarias estaduais de saúde sob suspeita.
Wizard disse em entrevista ao jornal O Globo que a pasta iria recontar o número de mortos no país pela Covid-19.
"Tinha muita gente morrendo por outras causas e os gestores públicos, puramente por interesse de ter um orçamento maior nos seus municípios, nos seus estados, colocavam todo mundo como Covid. Estamos revendo esses óbitos", afirmou. O secretário não mostrou provas das acusações.
À Folha, Wizard confirmou que há uma intenção dentro da pasta de rever os critérios de registro dos números, mas não disse qual seria a nova metodologia. "Vamos rever os critérios com que estão sendo contabilizados os dados. Não é rever o passado, não vamos desenterrar mortos", disse.
Neste sábado (6), o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) emitiu uma nota dizendo que o governo de Bolsonaro tenta dar "invisibilidade" aos mortos pela doença. "A declaração grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito, merece nosso profundo desprezo, repúdio e asco", diz a nota sobre as falas de Wizard.
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